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de desta. José da Rocha Bruno enforcou-se para fugir da vergonha da sua falência financeira.<br />
Eduardo fez o mesmo para fugir da vergonha da falência da sua virilidade. Não a podendo<br />
revelar nem admitir, restou-lhe essa rota de fuga. Mas isso é tratado de tal forma<br />
ironicamente na “narrativa” que não se percebe a profundidade do drama, que resulta mais<br />
ou menos disfarçado em caricatura. Também caricatural é o processo de envelhecimento,<br />
agonia e morte do pai de Luís Cunha e todas as outras mininarrativas menores que no fluxo<br />
da memória involuntária vêm à lembrança e ao relato do narrador. A ironia a tudo contamina<br />
no universo diegético deste romance. Mesmo temas e textos para os quais a tradição<br />
aconselha tratamento e utilização respeitosos, resultam desvirtuados no risível da paródia.<br />
É o que acontece, por exemplo, no discurso assumido por três mulheres – três pregadoras<br />
do Evangelho – que, num contexto que pertence à ordem histórica, política e social, parodiam,<br />
pela via da intertextualização, passagens do Gênese, do Levítico, do Êxodo, do Deuteronômio,<br />
de Jó e de vários outros textos sagrados. Três mulheres que Luís Cunha relembra<br />
em alinhamento simétrico, todas da mesma altura, na mesma posição, vestindo da<br />
mesma cor, usando chapéus iguais e o mesmo penteado... Recorrência de cenas e figuras<br />
de romances anteriores, como os quatro e iguais repórteres de Alegria breve ou os três pescadores<br />
vistos na praia por Jorge Andrade em Nítido nulo, ou os três cegos aos quais, em<br />
Rápida, a sombra, Júlio Neves ensinava latim. Recorrência, também, de todos os “profetas”<br />
já conhecidos em obras anteriores e agora representados coletivamente nas três mulheres<br />
de igual porte e aparência que falavam por uma única voz.<br />
Será talvez por essa sobrecarga de ironia, de sarcasmo e de grotesco, e ainda da violência<br />
ou da crueza de algumas outras cenas ainda aqui não mencionadas (descrições da<br />
atividade sexual de Luís Cunha, por exemplo, ou das suas freqüentes conversas com o<br />
“Arquiteto”), além da problemática estrutural em que se “repercute aquilo que alguns proclamam<br />
hoje como a marca da pós-modernidade”, como observa Eduardo Prado Coelho,<br />
levado a pensar Signo sinal como um romance pós-moderno, e invocando, para isso, o argumento<br />
de Jean-François Lyotard, para quem “a condição pós-moderna define-se por uma<br />
crise das narrativas.” 70 . Ainda segundo Lyotard, citado por Prado Coelho, “a função narra-<br />
70 COELHO, Eduardo Prado. Signo sinal ou a resistência do invisível. In: _____ . Op. cit., p. 59. (Itálicos do<br />
texto citado). Repare-se na alusão à “crise das narrativas”, que traz de volta as reflexões de Benjamin,<br />
Döblin e Adorno, embora não coincida exatamente o conceito de narrativa a que eles se referem (que é a<br />
narrativa épica ou a narrativa romanesca) com o conceito utilizado por Lyotard e retomado por Prado Coelho.<br />
Na seqüência da citação, explica o ensaísta:<br />
[...] a nossa leitura da História tem sido regulada pelos esquemas de grandes narrativas legitimadoras:<br />
a narrativa especulativa da dialética do Espírito, a narrativa da hermenêutica do sentido, a narra-