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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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237<br />

O que fica pairando no texto são mininarrativas de um passado (demasiado passado) vividas<br />

por personagens efêmeras e secundárias. O resto são as alegorias da paralisia da<br />

História que o autor vai acumulando, e a farsa patética da sucessão de profetas que infatigavelmente<br />

lhe vêm anunciar um movimento e um sentido perdidos. 67<br />

A idéia de um romance sobre a impossibilidade de narrar, aponta, sem dúvida, para<br />

uma abstração. Embora a temática central – se existir alguma – pertença ao domínio da<br />

História, o que é algo bastante concreto, na sua dimensão fática. Mas a História está suspensa<br />

68 , está paralisada, o que constitui uma outra abstração, ou um símbolo, porque na<br />

verdade não se pode suspender ou paralisar a História. O narrador, efetivamente, nada tem<br />

de épico ou “que tenha dimensão romanesca”, que lhe diga respeito, para narrar. Por isso a<br />

sua entrecortada, fragmentária e caótica “narrativa” não é mais do que uma série de desconexas<br />

lembranças de acontecimentos sem importância alguma, sem transcendência alguma,<br />

pequenos “casos” pertinentes a personagens secundárias. Tudo fortemente marcado por<br />

uma ironia beirante ao sarcasmo que veste de ridículo alguns episódios que poderiam constituir<br />

temas de natureza existencial outrora tratados pelo romancista com intensa dramaticidade<br />

69 . Por exemplo, o episódio de Eduardo (irmão de Luís Cunha, o narrador), que culmina<br />

com o seu suicídio. Eduardo tinha tudo para ser o continuador do pai, industrial de<br />

lanifícios instalado na aldeia. Desejo de permanecer na terra, vocação para os negócios...<br />

Mas tinha uma grande dificuldade para a “arrumação” da vida pelo casamento. Desmanchava,<br />

já nas proximidades da boda, todas as hipóteses de matrimônio que lhes iam sendo<br />

viabilizadas pelo pai, e mesmo a que ele próprio criou, desejando ser ele a escolher a mulher<br />

com quem haveria de casar. A cada casamento desfeito, Eduardo mergulhava em crises<br />

de misticismo e religiosidade, isolando-se das pessoas e passando a freqüentar a igreja<br />

e os atos religiosos com fervor e assiduidade incomuns que cessavam com o engendramento<br />

de um novo noivado. Quando desfez o casamento acertado com a mulher que ele próprio<br />

escolhera, mergulhando, mais uma vez, em crise idêntica às anteriores, suicidou-se por<br />

enforcamento numa trave do galpão da fábrica do pai. O desenlace do episódio de Eduardo<br />

relembra a cena do suicídio do pai de Carlos Bruno, em Mudança, mas sem a dramaticida-<br />

67 COELHO, Eduardo Prado. Signo sinal ou a resistência do invisível. In: _____ . Op. cit., p. 59.<br />

68 A “suspensão” da História, é, segundo o próprio Vergílio Ferreira, o tema fundamental de Signo sinal. Cf.:<br />

CC1, p. 80-81 e 234; CC2, p. 241-242, passim.<br />

69 Sobre o tom irônico do romance, o próprio romancista observou no seu diário: “Vou recomeçar o romance<br />

do Arquiteto. Creio que lhe descobri o tom. Deve ser mais ou menos o de Rápida, a sombra – uma amargura<br />

discreta, cortada de ironia, não o abandono ao sofrimento como noutros livros me aconteceu.” (CC1,<br />

p. 268 – anotação de 15.8.1975).

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