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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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É de certo modo impressionante como todas estas reflexões teóricas se relacionam<br />

intensamente com o tipo de romance produzido por Vergílio Ferreira a partir de Estrela<br />

polar, e sobretudo com Nítido nulo, Rápida, a sombra e Signo sinal. Pelo menos desde<br />

Estrela polar o romancista assume-se também como teórico do romance e transforma-o em<br />

espaço de reflexão sobre o gênero. Com isto começa a romper o “contrato” ficcional que a<br />

tradição do romance estabelecera entre autor/narrador e leitor, ruptura que a estratégia das<br />

incertezas e hesitações quanto à matéria narrada acentua. Este processo cresce nos romances<br />

posteriores, enquanto cresce, também, a diluição da ação que vai sendo cada vez mais<br />

“esmagada pelo peso da escrita” como disse Eduardo Prado Coelho. Repetindo ainda Prado<br />

Coelho, “as hesitações que se vão infiltrando no interior do trabalho da escrita”, quando<br />

levadas ao extremo são responsáveis pela “impossibilidade de qualquer narrativa”, que é o<br />

que se tem, segundo ele, em Signo sinal. Essa “impossibilidade” de narrar é, em essência, a<br />

mesma de que falam Benjamin, Döblin e Adorno nos ensaios citados e evidencia a crise do<br />

romance no seu “formato” e “ideologia” tradicionais. Crise que é também a do homem no<br />

mundo moderno, crise de solidão ou de comunicação que atrai a “matriz” do romance para<br />

“o indivíduo em sua solidão” (Benjamin). É essa mesma crise que impulsiona os romancistas<br />

contemporâneos para a pesquisa de uma nova possibilidade de romance, o que leva<br />

Alfred Döblin a propor a teoria do “romance puro” aconselhando os autores de romances a<br />

serem “decididamente líricos, dramáticos e mesmo reflexivos” contaminando assim, com<br />

os mais diversos “tons” e “matizes” o epos romanesco, a diegese. Quando na sua teoria<br />

propõe que a posição do autor com relação aos elementos da narrativa e à sua técnica “deve<br />

fazer parte integrante do próprio romance” está aconselhando a quebra do pacto da ficcionalidade<br />

e a deixar claro para o leitor que o romance que está lendo não é exatamente<br />

uma representação da realidade, mas uma obra de arte realizada obedecendo a determinados<br />

critérios técnicos e teóricos. É, afinal, o que encontramos no Vergílio Ferreira dos romances<br />

há pouco citados. Essa representação da realidade é uma ilusão, afirma Adorno,<br />

que também concorda com a idéia ou constatação de que uma crise se abateu sobre o romance<br />

tradicional e que por causa dela “não se pode mais narrar”, ainda que a “forma do<br />

romance [exija] a narração”. Por isso o romance atual terá de ser uma “tomada de partido<br />

contra a mentira da representação”, o que leva, os elementos de “reflexão”, no romance, a<br />

romper a “pura imanência da forma”. Tudo isto continua de acordo com as características<br />

que os romances vergilianos foram assumindo entre Estrela polar e Signo sinal. E para não<br />

haver dúvidas na rede de relações possíveis entre eles e as reflexões teóricas em questão, a

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