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Refletindo sobre o problema da desrealização do real e da diluição das estruturas e<br />
categorias narrativas no romance, Adorno diz que a posição do narrador “se caracteriza,<br />
hoje, por um paradoxo: não se pode mais narrar, ao passo que a forma do romance exige a<br />
narração.” 61 . Mais adiante, tratando exatamente do problema da dualidade existente entre a<br />
realidade artística da criação literária e a representação de um contexto ficcional apresentado<br />
com um aparato de verossimilhança, o pensador alemão, fazendo referência ao romance<br />
tradicional de linhagem realista e ao romance contemporâneo de caráter metafórico e reflexivo,<br />
diz que a concepção dominante no romance atual é a da “tomada de partido contra a<br />
mentira da representação, na verdade contra o próprio narrador, que, como comentador<br />
vigilante dos acontecimentos, tenta corrigir sua arrancada inevitável.” E conclui que “a<br />
infração da forma reside no próprio sentido dela.” 62 . Adorno discorre ainda sobre “o caráter<br />
ilusório da coisa representada”, tabu que “perde a sua força” no romance contemporâneo.<br />
“Muitas vezes ressaltou-se que no novo romance, não só em Proust, mas igualmente<br />
no Gide dos Moedeiros falsos, no último Thomas Mann, no Homem sem qualidades de<br />
Musil, a reflexão rompe a pura imanência da forma.” 63 . Prosseguindo a reflexão, diz ainda<br />
o teórico que o romancista contemporâneo “reconhece, pelo comportamento da linguagem,<br />
o caráter ilusório da narrativa, a irrealidade da ilusão, e com isso devolve à obra de arte –<br />
nos seus termos – aquele sentido da mais alta brincadeira que ela tinha antes de haver representado,<br />
na ingenuidade da não-ingenuidade, e de maneira excessivamente íntegra, a<br />
aparência como algo verdadeiro.” 64 . E finalmente, esta passagem metafórica extremamente<br />
elucidativa dos procedimentos estéticos do romancista contemporâneo:<br />
Quando em Proust o comentário está de tal modo entrelaçado na ação que a distinção<br />
entre ambos desaparece, então isso quer dizer que o narrador ataca um elemento<br />
fundamental na sua relação com o leitor: a distância estética. Esta era inamovível no<br />
romance tradicional. Agora ela varia como as posições da câmara no cinema: ora o leitor<br />
é deixado fora, ora guiado, através do comentário, até o palco, para trás dos bastidores,<br />
para a casa das máquinas. 65<br />
61 ADORNO, Theodor. Posição do narrador no romance contemporâneo. In: _____ . Walter Benjamin et al.<br />
Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1987, p. 269. Coleção Os pensadores.<br />
62 Idem, ibidem, p. 272.<br />
63 Idem, ibidem.<br />
64 Idem, ibidem.<br />
65 Idem, ibidem.