21.05.2014 Views

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

232<br />

Eduardo Prado Coelho continua a análise conduzindo-a para um dos seus primeiros pontos<br />

conclusivos:<br />

Convém notar que até há pouco tempo a escrita funcionava ainda como um operador de<br />

recuperação de uma ficção dispersa pelo espaço reversível da memória. Sucede, no entanto,<br />

que as hesitações que se vão infiltrando no interior do trabalho da escrita acabam<br />

por impedir a distinção entre o que é restituição de uma realidade supostamente anterior<br />

e o que é produção de uma realidade outra apenas dependente do próprio texto que a<br />

produz. Mas da articulação entre uma realidade evocada e uma realidade inventada resultava<br />

ainda com suficiente nitidez a configuração de uma narrativa possível. Signo<br />

sinal vem concretizar algo que já se esboçava em Rápida, a sombra: a escrita emerge,<br />

não sobre um fundo de narrativa possível, mas sobre a impossibilidade de qualquer<br />

narrativa. [...]. Temos assim um romance em que não há nada que contar que tenha dimensão<br />

romanesca. 55<br />

Um romance cuja escrita emerge da “impossibilidade de qualquer narrativa”,<br />

aponta, obviamente, para a crise da narrativa ou para a crise do próprio gênero romanesco.<br />

E, efetivamente, Signo sinal é o romance dessa crise. Dessa e de outras, como por exemplo<br />

a crise da História, ou a “suspensão da História”, como diz o próprio Vergílio Ferreira. A<br />

situação-limite em que se encontra um mundo que, destruído, não encontra o caminho da<br />

reconstrução. Uma aporia. Um impasse inultrapassável. Trata-se, em princípio, de uma<br />

questão temático-ideológica que o autor habilmente transfere ou estende para o processo de<br />

“construção” do romance. A escrita de Signo sinal não emerge “sobre um fundo de narrativa<br />

possível”: antes revela a própria impossibilidade de narrar. E isso desde todos os aspectos<br />

da estruturação do livro. Crise do mundo ou da História, crise do romance. Um mundo<br />

que já não pode ser narrado, um romance que se mostra incapaz de narrar esse mundo inenarrável.<br />

Tudo é fragmento, tudo é desconexo, tudo é diluição.<br />

As relações entre o gênero romance e um mundo que já não comporta narrativas<br />

capazes de fazer a sua representação e em que, por isso, a narrativa possível é aquela que<br />

“emerge [...] sobre a impossibilidade de qualquer narrativa”, é tema a que é possível associar<br />

algumas reflexões de teóricos e pensadores como Walter Benjamin e Theodor Adorno.<br />

O primeiro, categoricamente afirma, já em 1936, que “a arte de narrar caminha para o<br />

55 Idem, ibidem, p. 58-59. Os itálicos desta e da anterior citação pertencem ao texto citado.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!