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como um romance de discurso, entendendo-se a classificação segundo os ensinamentos de<br />
Gérard Genette, que o opõe ao romance de narrativa 52 .<br />
O ensaio de Genette “As fronteiras da narrativa” e as propostas classificatórias que,<br />
às já existentes ao tempo em que publicou o ensaio (1966), ele acrescenta à teoria do romance,<br />
são conseqüência óbvia da observação do processo evolutivo e das radicais transformações<br />
pelas quais passou o gênero romanesco ao longo de todo o século XX. Ora, se<br />
bem se observar o caminho percorrido por Vergílio Ferreira ao longo da sua obra ficcional,<br />
ver-se-á que esta realiza praticamente uma síntese desse processo de evolução que se poderia<br />
assinalar pela passagem da representação realista do mundo para uma sua representação<br />
simbólica com evidente propensão para o abstrato, a que não é estranho o aproveitamento<br />
de recursos de natureza poética na elaboração da linguagem. Mesmo elementos de tão intenso<br />
lirismo que muitas vezes leva à anulação da fronteira que porventura existisse (e terá<br />
existido no passado) entre o narrativo e o puro poético. Vergílio Ferreira veio claramente<br />
percorrendo esse caminho a que, de um modo geral, os seus críticos têm estado muito atentos.<br />
Eduardo Prado Coelho, inclusive:<br />
A crítica tem apontado na evolução de Vergílio Ferreira o aparecimento de duas instâncias,<br />
a da narração e a do discurso, em crescente confronto. Tem analisado o modo como<br />
tais instâncias se geram, se consideram reciprocamente, se cruzam, se interrompem<br />
e se sobrepõem, segundo regras cada vez mais sutis e indestrinçáveis. 53<br />
No apoio à crítica genericamente invocada, Prado Coelho refere Maria Lúcia Dal Farra,<br />
que, longamente se vem ocupando desse “confronto” entre a instância da narração e a do<br />
discurso, em Vergílio Ferreira:<br />
Maria Lúcia Dal Farra propõe o termo de escrita para designar uma terceira instância<br />
resultante da dissolução da narrativa e do discurso ao longo do seu progressivo conflito.<br />
Não se trata de um termo-síntese, mas da emergência de uma linguagem terceira que deriva<br />
do limite de esvaziamento e de saturação que unidades narrativas e unidades discursivas<br />
atingem através do seu confronto. Pouco a pouco a ficção vai-se esboroando<br />
esmagada pelo peso da escrita. 54<br />
52 Cf. GENETTE, Gérard; Fronteiras da narrativa. In: Roland Barthes et al. Análise estrutural da narrativa.<br />
Petrópolis: Vozes, 1976, p. 255-274. Para o caso em questão tem particular interesse a última parte do estudo:<br />
Narrativa e discurso (op. cit., p. 267-274).<br />
53 COELHO, Eduardo Prado. Op. cit., p. 58.<br />
54 Idem, ibidem, p. 58.