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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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não só: também a esperança de transcendência que a justifica e uma dimensão justificadora<br />

do milagre que é a existência humana, a maravilha de se estar vivo. “Um livro ainda, reinventar<br />

a necessidade de estar vivo. Mundo da pacificação e do encantamento – visitá-lo<br />

ainda – mundo do êxtase deslumbrado” (RS, p. 270), diz Júlio Neves. E nisto que diz, e<br />

como o diz, se pode perceber que o que o leva ao ato de escrever é um apelo inelutável, a<br />

força de um destino, tão forte quanto, por exemplo, o impulso que leva Mário, o pintor de<br />

Cântico final, a pintar os seus quadros e a restaurar a sua capela na montanha. Mas o absoluto<br />

da arte exige a perfeição, e todos eles, artistas – Júlio Neves, Mário, o derradeiro músico<br />

de uma filarmônica de aldeia ou o próprio Vergílio Ferreira – sabem que “um instante<br />

de perfeição custa sempre meses de esforço, às vezes mais” (p. 173), embora seja, sem<br />

dúvida, o desejo ou a necessidade de alcançar esse “instante de perfeição” que leva o artista<br />

a prosseguir no cumprimento do seu destino.<br />

Até ao início do último capítulo, Rápida, a sombra é algo que se poderia pensar<br />

como um texto ou um romance sem escrita. Porque Júlio Neves apenas devaneia, conduzido<br />

pela força da emoção, do imaginário, da memória (falível), e em nenhum momento anterior<br />

ao capítulo de encerramento se mostrou, como os protagonistas de alguns outros romances<br />

(Manhã submersa e principalmente Aparição) em atitude de escrita, embora inúmeras<br />

vezes se tenha revelado, anunciado, afirmado escritor, numa espécie de ânsia de ser<br />

assim reconhecido. Só no último capítulo se assume em atitude de escrever, e emocionadamente<br />

o faz, começando a materializar em escrita o “texto” do romance que lentamente<br />

estivera “elaborando” numa espécie de “gestação mental” e portanto abstrato, porque sem<br />

materialização textual. Nesse aspecto – e pelo traço de abstração que o caracteriza – Rápida,<br />

a sombra irmana-se a Nítido nulo, este sim, um “texto” sem escrita, permanecendo<br />

Jorge, durante toda a diegese, numa atitude de observação e devaneio, entre a memória e a<br />

imaginação, sem que o “texto” que assim produz se corporifique ou materialize em escritura.<br />

tre Vergílio Ferreira e a sua personagem é a do processo de criação, a “gestação mental” da escrita romanesca,<br />

o encher do “poço que dá romances”.

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