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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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se lhe seguiram. Na aldeia, abrigada à sombra da Serra da Estrela, no interior montanhoso<br />

de Portugal, o menino Vergílio Antônio Ferreira Oliveira, na aprendizagem das primeiras<br />

letras, não deve ter ouvido falar de Fernando Pessoa, nem de Orpheu, nem dos pintores<br />

ousados do vanguardismo modernista. O canto de Orpheu não lhe chegou tão cedo aos<br />

ouvidos. A “música” do cosmos – a dos ventos, dos temporais, dos córregos, dos rios, dos<br />

pássaros, do farfalhar dos pinheiros – deve ter sido a que inicialmente ouviu. Depois a sua<br />

memória guardou a dos coros do Natal na aldeia da montanha, os sons de um violino ou de<br />

um órgão, a harmonia dos cantos litúrgicos e seminariais acompanhados por obrigação.<br />

Mais tarde, as tunas universitárias, timbres de guitarras, baladas de saudade, e, mais tarde<br />

ainda, os grandes corais de ressonâncias trágicas, mesmo lúgubres, da planície alentejana.<br />

A memória auditiva de Vergílio guardará para sempre estas reverberações profundas que o<br />

acompanharão como signos ou símbolos permanentes na representação do emocional, do<br />

existencial, do estético, do vivido e na sua transfiguração em Arte. Também as suas iniciais<br />

impressões plásticas estão ligadas à natureza: o expressionismo (mais que impressionismo)<br />

da colossal massa da montanha, a brancura deixada sobre a terra pelos grandes nevões, o<br />

mistério de uma certa luz natural – filtrada de suavidade na primavera ou agressiva de verão<br />

–, o espetáculo deslumbrante de reflexos irisados do degelo... Traços indeléveis – estes<br />

e tantos outros –, gravados na memória visual e plástica de Vergílio, a acompanhá-lo desde<br />

sempre, como signos e símbolos perenes, na sua aventura de existir e de representar a existência.<br />

Elementos fortes de uma emoção, nunca ocultada, condutora à descoberta maravilhada<br />

da Arte, da pintura de Rouault, dos expressionistas, do impacto intelectual que lhe<br />

foi a “descoberta” das Vozes do silêncio e de toda a restante obra de Malraux.<br />

Nesta formação seminal, natural e originária de uma sensibilidade estética não entrariam<br />

as influências do seu contato com a pintura ou o desenho de Almada, Santa-Rita,<br />

Amadeo Cardoso ou qualquer outro artista português ou estrangeiro. Sem dúvida que estão<br />

na natureza – na sua visão e especial percepção dela – os alicerces do sentimento estético<br />

de Vergílio Ferreira. O conjunto da sua obra o confirma, particularmente os romances e<br />

ensaios como Carta ao futuro e Invocação ao meu corpo. Notadamente na dimensão do<br />

seu imaginário, na recorrência obsessiva aos grandes e permanentes símbolos que o caracterizam<br />

e sobre os quais, como se movido por uma necessidade ou compulsão dramática,<br />

descarrega toda uma intensa emotividade.<br />

Se as primeiras vozes do Modernismo português não conseguiam, na sua contemporaneidade<br />

nem nos anos seguintes, alcançar as montanhas distantes da rústica Beira Alta

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