21.05.2014 Views

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

223<br />

algumas janelas já acesas. Regressa aos teus mortos. Vão sendo horas. E é como se por<br />

entre os sepulcros de uma civilização perdida. Mas ninguém te espera, ninguém, ó tu, há<br />

quanto tempo já morto? E num país que não era o teu. Porque o teu reino é este. [...].<br />

Como espectros à beira, fachadas negras dos séculos. Vão ficando para trás, eu passando<br />

por entre elas, casas mudas, seladas de sombras. Oblíquas de ameaça, tenebrosas –<br />

há quanto tempo me esperais? aqui estou. Com o seu castigo decretado há milénios, eu,<br />

o perjuro. O renegado. O que se enganou na porta – e como é que te enganaste? da vida<br />

que não era a sua. E a quis decifrável em letra miúda e não em letras gordas, desenhadas<br />

à mão grossa da sua caligrafia. O que quis ser em complicados modos de ser e não no<br />

modo único de ser que é apenas ser. Aqui estou. Para sempre. (p. 77-79).<br />

O tema do regresso é de sempre, nos romances de Vergílio Ferreira. Regresso à<br />

casa ou à aldeia onde está a casa com a nostalgia do retorno a um reino perdido desde há<br />

muito, desde o princípio, talvez desde sempre. Nostalgia de quem retorna de um exílio<br />

forçado ou voluntário e com a consciência da frustração dos benefícios desse exílio, da sua<br />

inutilidade. Regresso à casa paterna ou materna, como o de Carlos Bruno à casa de Vilarim<br />

(Mudança), como o de Antônio Santos Lopes à casa da mãe (Manhã submersa), como o de<br />

Mário à casa vazia, herdada dos pais, na montanha (Cântico final), como o de Alberto Soares<br />

à casa também na montanha e igualmente herdada dos pais (Aparição), como o de A-<br />

dalberto (em Estrela polar) à casa da mãe, em Penalva, onde continua em exílio e sonhando<br />

com a casa da infância, na aldeia... Todos estes protagonistas são heróis da aventura do<br />

exílio: forçados por necessidades materiais (Carlos Bruno e Santos Lopes), pelo autoritarismo<br />

disfarçado de humanitarismo (Antônio Santos Lopes), pelo desejo de crescimento<br />

intelectual e da descoberta do mundo e de si mesmos (Mário, Alberto, Adalberto e Júlio<br />

Neves). Todos têm o desejo de encerrar a aventura com o regresso ao ponto de partida.<br />

“Fechar o círculo, cursum peregi”. Terminar a viagem pela existência retornando às origens,<br />

às raízes que porventura ocultam aquilo que tão longe foram procurar. Por isso é necessário,<br />

de vez em quando, arejar a casa dos pais (Cf. RS, p. 31). Regressar antes que seja<br />

tarde, antes que a vida se extinga, porque a certa altura, “vão sendo horas” de o fazer. Regressar<br />

aos seus mortos e aos que ainda possam restar vivos. Regressar à casa, à aldeia, ao<br />

reino perdido que é preciso reencontrar – mas que é já, então, quase sempre outro, está<br />

quase sempre vazio, desaparecidos para sempre todos ou quase todos os que ficaram. É<br />

essa a sensação de Júlio no seu imaginário regresso: “descobrir” o seu reino, como se dele<br />

fora “expulso”, “velho senhor, condenado ao exílio”, “expulso pela vida”. Retornar ao seu<br />

reino de “olhar limpo”, purificado, depois de ter visto tudo “quanto o iludiu”, desejoso de

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!