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algumas janelas já acesas. Regressa aos teus mortos. Vão sendo horas. E é como se por<br />
entre os sepulcros de uma civilização perdida. Mas ninguém te espera, ninguém, ó tu, há<br />
quanto tempo já morto? E num país que não era o teu. Porque o teu reino é este. [...].<br />
Como espectros à beira, fachadas negras dos séculos. Vão ficando para trás, eu passando<br />
por entre elas, casas mudas, seladas de sombras. Oblíquas de ameaça, tenebrosas –<br />
há quanto tempo me esperais? aqui estou. Com o seu castigo decretado há milénios, eu,<br />
o perjuro. O renegado. O que se enganou na porta – e como é que te enganaste? da vida<br />
que não era a sua. E a quis decifrável em letra miúda e não em letras gordas, desenhadas<br />
à mão grossa da sua caligrafia. O que quis ser em complicados modos de ser e não no<br />
modo único de ser que é apenas ser. Aqui estou. Para sempre. (p. 77-79).<br />
O tema do regresso é de sempre, nos romances de Vergílio Ferreira. Regresso à<br />
casa ou à aldeia onde está a casa com a nostalgia do retorno a um reino perdido desde há<br />
muito, desde o princípio, talvez desde sempre. Nostalgia de quem retorna de um exílio<br />
forçado ou voluntário e com a consciência da frustração dos benefícios desse exílio, da sua<br />
inutilidade. Regresso à casa paterna ou materna, como o de Carlos Bruno à casa de Vilarim<br />
(Mudança), como o de Antônio Santos Lopes à casa da mãe (Manhã submersa), como o de<br />
Mário à casa vazia, herdada dos pais, na montanha (Cântico final), como o de Alberto Soares<br />
à casa também na montanha e igualmente herdada dos pais (Aparição), como o de A-<br />
dalberto (em Estrela polar) à casa da mãe, em Penalva, onde continua em exílio e sonhando<br />
com a casa da infância, na aldeia... Todos estes protagonistas são heróis da aventura do<br />
exílio: forçados por necessidades materiais (Carlos Bruno e Santos Lopes), pelo autoritarismo<br />
disfarçado de humanitarismo (Antônio Santos Lopes), pelo desejo de crescimento<br />
intelectual e da descoberta do mundo e de si mesmos (Mário, Alberto, Adalberto e Júlio<br />
Neves). Todos têm o desejo de encerrar a aventura com o regresso ao ponto de partida.<br />
“Fechar o círculo, cursum peregi”. Terminar a viagem pela existência retornando às origens,<br />
às raízes que porventura ocultam aquilo que tão longe foram procurar. Por isso é necessário,<br />
de vez em quando, arejar a casa dos pais (Cf. RS, p. 31). Regressar antes que seja<br />
tarde, antes que a vida se extinga, porque a certa altura, “vão sendo horas” de o fazer. Regressar<br />
aos seus mortos e aos que ainda possam restar vivos. Regressar à casa, à aldeia, ao<br />
reino perdido que é preciso reencontrar – mas que é já, então, quase sempre outro, está<br />
quase sempre vazio, desaparecidos para sempre todos ou quase todos os que ficaram. É<br />
essa a sensação de Júlio no seu imaginário regresso: “descobrir” o seu reino, como se dele<br />
fora “expulso”, “velho senhor, condenado ao exílio”, “expulso pela vida”. Retornar ao seu<br />
reino de “olhar limpo”, purificado, depois de ter visto tudo “quanto o iludiu”, desejoso de