21.05.2014 Views

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

221<br />

falta para morrer” (p. 47) e era isso que faltava que ele queria ainda viver. Júlio gostava de<br />

Hélia porque ela “era jovem e isso é belo por si, porque ser jovem é estar na vida e o amor<br />

é o máximo dela.”<br />

Mas Hélia será sempre, para Júlio, apenas um anseio de vida e de futuro, porque a<br />

junção ou a posse, na realização amorosa, nunca se vai concretizar. Sem conseguir fundir a<br />

velhice à juventude, vai-lhe restar a alternativa do regresso à aldeia para reencontrar o passado<br />

e as origens. E o desejo de regresso se impõe cada vez mais forte, ao longo de um<br />

serão com os literatos freqüentadores da sua casa, ao longo da conversa que ele já não ouve,<br />

porque ouve já então apenas a sua dúvida, a sua questão que era a de ir “até à aldeia<br />

tomar banho” ou “visitar Hélia”: “E se eu fosse até à aldeia? agora que a discussão está a<br />

aquecer. Tenho mesmo de decidir. Ou ir visitar Hélia – mas como podes iludir-te? Regressar<br />

à juventude e à invenção do futuro – regressar à origem como o bicho à sua toca. Fechar<br />

o círculo.” (p. 143).<br />

O tema do regresso à aldeia é recorrente como um leitmotiv ou uma frase musical<br />

que se insinua na narração desde o seu início. Por isso, também Rápida, a sombra tem alguma<br />

coisa de estruturação musical na sua concepção. Não se trata simplesmente de fazer<br />

referências temáticas à música, de que a audição de “Amanhecer” é a mais explícita e o<br />

encantamento produzido pelo solo de flauta, ouvido ou imaginado por Júlio Neves, a mais<br />

amada e comovente: é mesmo de uma questão “composicional” que se trata, e de um aspecto<br />

técnico de que a narrativa, muito discretamente, quase imperceptivelmente, lança<br />

mão e que se realiza, de modo muito sutil, como um dos traços de maior refinamento da<br />

arte romanesca vergiliana.<br />

O desejo de regressar à aldeia é exatamente sugerido pela música que se levanta do<br />

gira-discos:<br />

Regressar à origem. E neste instante o disco ainda. Ouço-o. Há um trecho no terceiro<br />

andamento, é um trecho breve – como me dói. Uma flauta passa entre a floresta de cordas.<br />

Ressoa solitária, onde? pelos montes, pelos vales, [...]. Voz da noite no claro amanhecer.<br />

[...]. Regressar às origens – regressa à tua origem. Afastado dos humanos, entre<br />

o silêncio dos mortos, fundido à germinação escura da terra, no revolver interno da seiva<br />

e do estrume. Uma flauta ressoa aos confins da vida. Intensa, profunda. Excessiva.<br />

(RS, p. 24).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!