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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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à sua sedução, à sua posse, que representa a tentativa de encontrar o futuro ou de se manter<br />

ainda vivo, no presente, ou o que o leva a regressar à aldeia para reencontrar o passado, as<br />

origens e aí morrer, no seu lugar e entre os seus – os que ainda restam vivos e os que já<br />

morreram. Seja qual for a escolha, é uma opção de urgência, e a urgência disso (conquistar<br />

Hélia ou voltar para a aldeia) está no envelhecer de Júlio Neves. Porque Júlio Neves envelhece.<br />

Como o dia entardece e a tarde anoitece. Recorda a perda do primeiro dente que<br />

extraíra como uma mutilação ao seu corpo, como um primeiro aviso do efêmero da vida,<br />

da degradação, e uma certa humilhação no efeito do anestésico (“uma dormência” que se<br />

alastra “na boca como um veneno”) que transforma a carne em matéria insensível, “carne<br />

morta [...], carne podre” (Cf. RS, p. 24 e 186-188). E a ironização disso: “Uma dentadura<br />

toda nova, parece, a terceira dentição. E os óculos. Os óculos. Quando me extraíram o primeiro<br />

dente, a mutilação. Uma parte de mim já morta. Era um dentista palrador, armado de<br />

torquês, feroz, queria arrancar logo tudo de uma vez, parecia, um complexado? Deve estar<br />

previsto no Freud, nos discípulos.” (p. 24). Ou ainda, num registro de ironia, esta pergunta<br />

a Hélia: “Que é que seduz a uma jovem num velho e a um velho nela?” E a tentativa de<br />

resposta:<br />

Os teorizadores dizem coisas, são coisas de teoria. Que à jovem a experiência, que ao<br />

velho a ilusão da juventude. De teoria. Eu digo: o pecado. A perversão. Quanto mais<br />

perversão, mais pecado. E o pecado é que é. Da jovem para o velho, a inocência pervertida.<br />

Do velho para a jovem todo o percurso do interdito e a exploração desse limite.<br />

[...]. Eu gostava de Hélia porque era jovem e isso é belo por si, porque ser jovem é estar<br />

na vida e o amor é o máximo dela. [...].<br />

– Que é que podia seduzi-la a você em mim? – perguntei um dia a Hélia e ela disse<br />

– Só o inferno<br />

assim mesmo, com retórica e tudo, mas eu não tenho inferno para dar. (RS, p. 62-<br />

64).<br />

Portanto, a perversão, o interdito e todo o seu percurso e a exploração desse limite.<br />

A disjunção, portanto, entre Júlio e Hélia, a quem ele queria possuir como garantia de futuro,<br />

de vida ainda a viver. Ou a morrer, porque, segundo Júlio, “O que em nós morre não é o<br />

passado, mas o futuro,” e ele já não tinha “futuro para morrer” (p. 42). “Só se vive o que<br />

ironia que V. F. faz com que J. N. se refira a Túlio, o seu genro, que é crítico literário, como alguém que o<br />

imita em tudo e que sempre quis tudo o que era seu, começando por casar com a Milinha e imitando-lhe a<br />

letra miúda, os óculos e até o nome, Túlio, tão semelhante ao seu: Júlio (v. RS, p. 17, e, quanto ao acirramento<br />

da ironia na representação do crítico, p. 42-48).

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