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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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212<br />

Parece bastante significativo que Vergílio Ferreira tenha escolhido exatamente a<br />

música para representar essa relação de transcendência e fidelidade entre o homem e a Arte.<br />

Porque é, no universo de Rápida, a sombra, uma escolha reiterada, quer na emoção do<br />

protagonista que se espraia ao longo de toda a diegese ouvindo a melodia “Amanhecer”, ou<br />

relembrando/imaginando o som da flauta ressoando pelos vastos horizontes, quer no conteúdo<br />

do segundo dos três episódios de natureza alegórica. Neste, Júlio Neves recorda ou<br />

imagina certa noite em que, quase em desespero, procurou Hélia por vários lugares da cidade,<br />

indo parar ao Palácio da Cultura, espécie de centro cultural em que, em diferentes<br />

ambientes, se demonstravam a criação, a teorização e a interpretação de variadas manifestações<br />

artísticas.<br />

Assim Júlio Neves passa por uma exposição coletiva de pintura, onde, em visita<br />

guiada, “um núcleo de pessoas aglutinadas frente a um quadro” ouvia a “voz melíflua” de<br />

um guia – “tipo brevíssimo, pequeníssimo, [...] todo empacotado em si mesmo, todo passado<br />

a pano desde os pés às pastas de cabelo acamado, luzidio de brilhantina” –, que “explicava,<br />

os dedos entrelaçados ligeiramente brincava com eles a fazer o seu tricot, explicava:<br />

[...]” (RS, p. 195). E a explicação do “guia” segue-se num longo texto, colocado entre<br />

aspas para não deixar dúvidas quanto à responsabilidade do falante e do seu discurso, um<br />

desarrasoado coberto de non-sens e destinado a impressionar pela grande empáfia retórica<br />

do teorizador que nada diz, e que é no romance (esse discurso), um momento de ironia,<br />

mais ou menos amarga, mais ou menos humorada, momento que se vem a constituir numa<br />

das constantes vergilianas e que já desde Apelo da noite se pode encontrar no romancista a<br />

vergastar a falsa importância do solene vazio discursivo, sobretudo de críticos literários e<br />

de arte, além de políticos, mas que também se estende a pintores, a lingüistas, falantes de<br />

línguas estrangeiras, tribos de jovens falando cada uma a gíria do seu dialeto. É longa, a<br />

cena irônica da exposição em que se patenteia o ridículo do “especialista” que discursa<br />

relembrando a sua experiência internacional com passagens por “‘Londres Roma Milão<br />

Veneza Alemanha Nova Iorque para um entendimento nacional da terceira geração (desde<br />

45) após a proposta neo-realista’”, reconhecendo, que, entretanto, “‘Aconteceu todavia<br />

pintura, desde que a primeira geração dos anos 15-20 e uma modernidade, tenho-o dito e<br />

repetido’.” (p. 196). E quando ao final do “discurso”, ficando os ouvintes “ainda um<br />

instante a olhar o quadro” objeto da “análise” e “a preleção que ficara nele”, viu-se que

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