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mais do que um processo de substituição, o que ocorrerá em Júlio será muito mais uma<br />
espécie de fusão das duas mulheres, a partir da simbolização conotada nos seus nomes.<br />
Helena, essa mulher do mar e do sol, responde por um nome grego, mediterrânico e carrega<br />
da Hélade toda uma reminiscência. Hélia, no seu nome, sugere o sol (Hélio). Ambas são<br />
louras e luminosamente belas, no auge da juventude de cada uma. Pouco a pouco esse processo<br />
de fusão entre as duas mulheres se vai insinuando no texto do romance, na representação<br />
de uma rememoração confusa, emocionada e por isso incerta, ambígua e fragmentária,<br />
que é como e por onde se desenvolve a diegese:<br />
[Helena] Era do Sul, da alegria marítima, da claridade solar. Tem sol no corpo de leite,<br />
no cabelo, usas agora o cabelo curto, nos olhos vivos, é solar o teu nome. Chama-se Hélia.<br />
(RS, p. 30).<br />
E com um traço de ironia para expressar o pesar e o desconforto da diferença de idade entre<br />
ele e a jovem amiga da filha,<br />
Meu Deus, porque me não fizeste perfeito nos sítios em que uma mulher nos reconhece<br />
a perfeição? Ou um pouco mais atrasado nas tuas contas dos nascimentos. (Ibid.).<br />
E mais adiante, na ocasião em que conheceu Hélia, que lhe fora apresentada pela filha<br />
num casual encontro de praia, observando-a no momento em que ela emergia das ondas:<br />
–Vem do fundo do mar?<br />
devo ter perguntado. Como perguntei a Helena. Porque a vida não dá para se<br />
perguntar muita coisa. Trazemos uma pergunta, vamos-lhe dando as resposta que podemos.<br />
[...]. Mas Hélia está aqui ao pé e eu tenho de ir dizendo coisas, enfeixadas, sutis,<br />
no percurso sutil de uma súbita clandestinidade. Um corpo tenro de leite, mon amour.<br />
Rútilo o rosto, gotas suspendem-se reluzentes dos cabelos, das pestanas, e os dentes claros,<br />
os olhos riem na violência da manhã. A camiseta molhada, transparente. Colada aos<br />
seios redondos róseos, velada doçura. E as coxas. Morenas, explodindo-me em força à<br />
violência das mãos. [...]. Hélia desdobra-se na graça infantil do rosto em cima, onde estou,<br />
e na firmeza do corpo para baixo onde estou também. Toda ela brinca na face uma<br />
inocência perversa que não é de lá. Eu alegro-me nos olhos e noutras partes visíveis, trilhado<br />
miudamente em sítios que se não vêem. (RS, p. 60-62).