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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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206<br />

os sentidos intercalam várias coisas neste fluxo do pensamento de Júlio, mas como numa<br />

obsessão da lembrança para tornar a ausente presente, sempre a recordação da mulher,<br />

sempre a sua visão em exuberância e em força...<br />

Livros de ciência, artes e letras, o álcool intervalado, o retrato de Helena saindo do mar.<br />

Olho-a, ela dá a passada que ficara suspensa, o teu riso em diadema na pulverização da<br />

luz. Está muita gente à volta mas não está. Eu só [...]. E tu que vens para mim. Revoluteada<br />

de espuma, ergue-se como um manto à tua volta, como um núcleo, o teu corpo, de<br />

toda a fertilidade do mar. Então uma palavra ilumina-se de mim a ti como um raio de<br />

sol brilha intenso por cima do teu retrato, é a hora de a poesia ser.<br />

– Vem do fundo do mar?<br />

“Vem do fundo do mar?” vem a ser, no romance, quase um refrão, um leitmotiv,<br />

uma frase musical, sempre associada à visão de Helena na juventude e ao encontro marítimo<br />

e solar entre ela e Júlio. Mas de repente também começa a ser associada a Hélia, jovem<br />

e sensual amiga de Emília (a Milinha), filha de Júlio e de Helena. Talvez por conseqüência<br />

de uma certa indiferença desta para com o marido – o desgaste do casamento, a rotina, o<br />

envelhecimento de ambos – e pela desconfiança de Júlio de que Helena vai tendo uma relação<br />

secreta com o poeta Máximo Valente. Júlio deixa-se tomar de uma forte atração erótica<br />

por Hélia, a quem confessa o seu amor ou o seu desejo e por quem vai substituindo,<br />

mesmo sem conseguir a concretização amorosa, a sua mulher, Helena, então já envelhecida,<br />

marcada de tempo e de desgaste, o início da corrupção:<br />

Numa das estantes, o retrato de Helena – porque o não levaste? A tua presença ainda.<br />

Foi numa praia do Sul, um Verão, há quantos anos? Saída das ondas, e os teus cabelos<br />

louros. Longos.<br />

Vejo-os brilhar, iluminam-se a todo o espaço da alegria, ao extremo do areal.<br />

Um instantâneo de graça e o teu sorriso feliz. Para a eternidade da noite. O teu<br />

sorriso. Estás linda. Não tu, agora, envelhecida – envelheceste tanto<br />

– As louras envelhecem mais cedo<br />

a pele do pescoço pregueada como a dos perus. Cedo. (RS, p. 12-13).<br />

Na beleza, frescor e pujança da sua juventude, Hélia se vai impondo aos olhos, à<br />

atenção e ao desejo de Júlio Neves, enquanto Helena, envelhecida, vai perdendo esse espaço,<br />

e só na memória de Júlio é ainda vivida por ele no entusiasmo da força da idade. Mas

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