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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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da espiral, sem que a circunferência se fechasse, para alcançar o ponto de partida para os<br />

romances futuros.<br />

201<br />

2. RÁPIDA, A SOMBRA:<br />

Quase ao anoitecer, amanhece, e “uma flauta ressoa à infinitude do horizonte”<br />

Em Rápida, a sombra, o ponto de partida é ainda, como facilmente se pode ver, o<br />

claro parentesco da estruturação narrativa deste livro com o nouveau roman e com alguns<br />

traços identificadores da narração pós-moderna, como tal os reconheceram Merquior e<br />

Prado Coelho em Nítido nulo. É o que se percebe desde logo, à abertura do romance em<br />

que de imediato se observa que a narração vai acompanhar um presente que flui continuadamente,<br />

um “agora” em que os eventos narrativos vão sucedendo e simultaneamente são<br />

registrados por quem os protagoniza, formando passo a passo a tessitura do texto que se<br />

apresenta aparentemente frio, neutro e em que objetos ou equipamentos mecânicos (como<br />

uma fechadura, por exemplo), parecem assumir algum interesse:<br />

Meto a chave à porta de casa, rodo-a duas vezes antes de puxar o trinco. Logo,<br />

ela não está. Às vezes fecha-se por dentro, mesmo de dia. Medo dos ladrões, diz. Vem<br />

tanta coisa nos jornais. Fechadura de triplo fecho, com ferros para cima, para baixo e<br />

para o lado, montou-a em vez da simples que tínhamos. Trancados os fechos todos, como<br />

um cofre-forte. Mas é raro fechar-se – deve ter saído. 34<br />

Logo se vê, que, tal como em romances anteriores – Nítido nulo ou Estrela polar –<br />

a narrativa não se constrói sobre certezas do narrador, mas ao contrário, sobre as suas incertezas,<br />

e daí as constantes conclusões, deduções ou inferências com que o narrador autodiegético<br />

35 vai compondo cada passo: “logo, ela não está”, “deve ter saído”, “terá deixado<br />

algum bilhete?”, “Porque quando sai, deixa um bilhete. Quase sempre” (RS, p. 9). Incertezas<br />

da narrativa que, de algum modo, se coadunam com a sua fragmentariedade, os “saltos”<br />

temporais, interseccionismos ou “embrechamentos” igualmente conhecidos desde<br />

anteriores experiências diegéticas do escritor e que neste romance, praticados logo à pri-<br />

34 FERREIRA,Vergílio. Rápida, a sombra. Lisboa: Arcádia, 1975, p. 9.<br />

35 Utilizo a expressão “narrador autodiegético” na acepção do que propôs Gérard Genette em seu Discurso da<br />

narrativa.

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