21.05.2014 Views

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

200<br />

Nítido nulo e Para sempre patenteiam exatamente a ficcionalidade da obra e, por<br />

conseguinte, do universo nela criado, mostrando que esse universo é dominado pelo narrador<br />

enquanto entidade organizadora e coordenadora dos episódios dispersos. Não só<br />

uma fragmentação oriunda da rememoração involuntária se manifesta, como tem ainda<br />

lugar uma atitude voluntária de concatenação dos fatos por quem, sabendo-os, os coordena<br />

a seu bel-prazer:<br />

“E creio que Salles que há-de ser o seu marido daqui a alguns capítulos”<br />

(NN, p. 99) 33 .<br />

Não é necessário enfatizar que recursos narrativos desta natureza inscrevem-se num<br />

espaço de renovação pretendido pelo autor para um gênero de que a modernidade já havia<br />

declarado o fim. Desde Kafka e de Joyce que se fala na “morte” do romance, mas o espírito<br />

e capacidade inventivos dos romancistas que lhes são posteriores não poderiam ser, evidentemente,<br />

declarados mortos ou à morte condenados por antecipação. O que estava não<br />

bem “morto”, mas ultrapassado por modelos ou modos, estruturas, temáticas e linguagens<br />

novos ou renovados, era todo o percurso do romance feito anteriormente ao surgimento dos<br />

grandes marcos do gênero na modernidade do século XX. Autores e obras que ao gênero<br />

romanesco colocaram em situação-limite – para usar uma expressão muito vergiliana – e o<br />

obrigaram, e aos novos autores, a uma atitude de pesquisa e de experimentação. É aí que<br />

este modo romanesco de Vergílio Ferreira exemplificado num livro como Nítido nulo se<br />

inscreve: o de um romance que, sem desprezar o caminho que o próprio romancista fez até<br />

ele, procura novas possibilidades, ensaia um novo modo narrativo, lança-se (e ao seu autor<br />

e às obras futuras) para novas direções e novos horizontes. É um romance de ultrapassagem<br />

– não só da obra do próprio romancista, mas mesmo em termos de estética da realização<br />

ficcional moderna – e por essas razões, que são históricas ou cronológicas mas igualmente<br />

estéticas, é-lhe adequado o prefixo pós: pós-moderno, assim o classificaram Eduardo<br />

Prado Coelho e José Guilherme Merquior. Alguma coisa do processo de realização dessa<br />

obra o justifica. Alguma coisa que o romancista realizou sem desprezo dos elementos<br />

dominantes que caracterizam a sua poética romanesca desde a origem, o seu universo de<br />

símbolos, o seu imaginário – ampliando-os, aprofundando-os, dando-lhes novos significados,<br />

reatualizando-os e assim dando continuidade ao processo dialético da diferença no<br />

mesmo, da transformação na permanência. E assim dando, mais uma vez, a volta ao círculo<br />

33 GOULART, Rosa Maria. Op. cit., p. 153.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!