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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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197<br />

transgressões praticadas no romance de que se está tratando. Porque também o tempo, no<br />

nouveau roman já não repete o tempo conhecido no romance do século XIX, nem mesmo o<br />

de Joyce, ou de Proust, que já rompera com o tempo “clássico” da tradição romanesca. A<br />

concepção de tempo no romance de Vergílio Ferreira, ou o tratamento dado pelo autor a<br />

esta categoria narrativa, é apenas um detalhe num elenco de transgressões à convenção do<br />

romance. Transgressões que se podem assinalar desde a perda das certezas do narrador<br />

quanto à matéria que narra, que são fartamente encontradas em Estrela polar e Alegria<br />

breve e têm continuidade em Nítido nulo e que aqui se aprofundam ou “agravam”, com a<br />

inserção da própria entidade autoral “Vergílio Ferreira” no universo da narrativa, assumindo,<br />

aí e assim, paralelamente, o estatuto de personagem.<br />

As incertezas do narrador de Nítido nulo são de toda a ordem, a começar pela ordem<br />

familiar: “Tia Matilde – era irmã do meu pai. Ou da minha mãe?” (NN, p. 26-27).<br />

Elas também abalam a memória erótica de Jorge, que baralha entre Vera e Sara a mulher<br />

com quem fez amor (p. 91) e as ocasiões em que o fez (p. 246-248). Há várias outras dúvidas<br />

ou hesitações de quem narra sobre os eventos narrados, mas as transgressões do romance<br />

ao gênero a que pertence, acontecem em crescendo, com a transformação do escritor<br />

Vergílio Ferreira em personagem de si mesmo:<br />

Então não ia eu já à sua trela, Vergílio Ferreira? Porque você, é claro, tem a sua teoria<br />

da “retórica” para defesa própria. Você diz: a retórica não existe. Mas existe. (NN, p.<br />

42).<br />

– Você o que pensa, Vergílio Ferreira?<br />

– Não penso nada. Deve ser como diz.<br />

– Eu sei. Você também gosta dos “oh” e dos “ah”. Você também embala no sentimento.<br />

Eu falava no homem forte. Você evidentemente não é um homem forte.<br />

– Não sou.<br />

– De que é que estávamos falando?<br />

– Da parte nobre do homem. (Ibid., p. 159).<br />

[...] tenho uma teoria da sede. Coitado de você, Vergílio Ferreira, que tem de ma contar.<br />

É a teoria do homem – coitado de si, mas quem lhe teve a culpa? Porque é que não contou<br />

antes a história do Teófilo que é uma história tão edificante e progressista? E o pavor<br />

que você tem de que o julguem reacionário – mas a culpa é sua. A culpa é sua que<br />

tem a mania de que a verdade é de quem a demonstra, embora diga que se demonstra<br />

sempre a verdade que já se tem; [...]. O culpado é você que tem a mania de que a verda-

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