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transgressões praticadas no romance de que se está tratando. Porque também o tempo, no<br />
nouveau roman já não repete o tempo conhecido no romance do século XIX, nem mesmo o<br />
de Joyce, ou de Proust, que já rompera com o tempo “clássico” da tradição romanesca. A<br />
concepção de tempo no romance de Vergílio Ferreira, ou o tratamento dado pelo autor a<br />
esta categoria narrativa, é apenas um detalhe num elenco de transgressões à convenção do<br />
romance. Transgressões que se podem assinalar desde a perda das certezas do narrador<br />
quanto à matéria que narra, que são fartamente encontradas em Estrela polar e Alegria<br />
breve e têm continuidade em Nítido nulo e que aqui se aprofundam ou “agravam”, com a<br />
inserção da própria entidade autoral “Vergílio Ferreira” no universo da narrativa, assumindo,<br />
aí e assim, paralelamente, o estatuto de personagem.<br />
As incertezas do narrador de Nítido nulo são de toda a ordem, a começar pela ordem<br />
familiar: “Tia Matilde – era irmã do meu pai. Ou da minha mãe?” (NN, p. 26-27).<br />
Elas também abalam a memória erótica de Jorge, que baralha entre Vera e Sara a mulher<br />
com quem fez amor (p. 91) e as ocasiões em que o fez (p. 246-248). Há várias outras dúvidas<br />
ou hesitações de quem narra sobre os eventos narrados, mas as transgressões do romance<br />
ao gênero a que pertence, acontecem em crescendo, com a transformação do escritor<br />
Vergílio Ferreira em personagem de si mesmo:<br />
Então não ia eu já à sua trela, Vergílio Ferreira? Porque você, é claro, tem a sua teoria<br />
da “retórica” para defesa própria. Você diz: a retórica não existe. Mas existe. (NN, p.<br />
42).<br />
– Você o que pensa, Vergílio Ferreira?<br />
– Não penso nada. Deve ser como diz.<br />
– Eu sei. Você também gosta dos “oh” e dos “ah”. Você também embala no sentimento.<br />
Eu falava no homem forte. Você evidentemente não é um homem forte.<br />
– Não sou.<br />
– De que é que estávamos falando?<br />
– Da parte nobre do homem. (Ibid., p. 159).<br />
[...] tenho uma teoria da sede. Coitado de você, Vergílio Ferreira, que tem de ma contar.<br />
É a teoria do homem – coitado de si, mas quem lhe teve a culpa? Porque é que não contou<br />
antes a história do Teófilo que é uma história tão edificante e progressista? E o pavor<br />
que você tem de que o julguem reacionário – mas a culpa é sua. A culpa é sua que<br />
tem a mania de que a verdade é de quem a demonstra, embora diga que se demonstra<br />
sempre a verdade que já se tem; [...]. O culpado é você que tem a mania de que a verda-