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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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de-se com a ilusão da presença dos dois jovens no interior da cela de Jorge, mas pai e filho<br />

não se entendem, falam, literalmente, linguagens diferentes, e, questionado pelo pai, dirlhe-ia<br />

o filho que falava a sua língua, e que a do pai era uma língua morta. “–... a tua é uma<br />

língua morta, tive de a aprender como aprendeste o latim. [...] – Falo uma língua viva, a tua<br />

é feita de farrapos” (NN, p. 55-56). Em Nítido nulo desaparecem a ternura, a emoção e a<br />

esperança que um filho desperta no pai. Esses sentimentos estão neste romance substituídos<br />

por uma enervante tensão estabelecida entre os dois, ou mais do que isso, por um confessado<br />

desamor que afasta um do outro, desde a linguagem (desde o Verbo), que é onde o<br />

mundo tem início, até outros elementos da essencialidade:<br />

Sei que é meu filho pelo modo como me detesta, se ri de mim. Não o posso amar. Todo<br />

o filho tem de nós a parte que se parece e a parte que se não parece. Pela primeira é que<br />

o amamos, suponho. Mas a que se não parece nasce da que se parece como a noite do<br />

dia ou ao contrário. Será essa a mais parecida? (NN, p. 218-219).<br />

Repare-se que o filho de Jorge é já um homem e que o sentimento de ternura, de<br />

emoção e de esperança que nos anteriores romances de Vergílio Ferreira se destinam do<br />

pai para o filho, é sempre para o filho criança 26 . Quando Jorge tem a ilusão de ver o filho<br />

na areia da praia, pergunta-se:<br />

será o meu filho? o meu neto? Temos os três a mesma idade, mas eu nasci, como é óbvio,<br />

há muito mais tempo. Na realidade o meu filho que deve ter uns quarenta anos, não<br />

aparenta mais de trinta. E o meu neto não aparenta mais de vinte, mas nem sempre.<br />

Quantos aparento eu? (NN, p. 54).<br />

Como é óbvio, as considerações de Jorge implicam a questão do ser e do parecer (essência<br />

e aparência) numa dimensão temporal, o que, no romance, levará à afirmação de que “a<br />

estupidez maior do homem foi ter inventado o tempo.” (p. 220).<br />

26 Esse “pai” é sempre o protagonista dos romances, constituindo a figura/conceito da arquipersonagem na<br />

terminologia utilizada por Helder Godinho. (A respeito da arquipersonagem, v. GODINHO, O universo<br />

imaginário de Vergílio Ferreira). A importância ou significado do filho, é, no romance de V. F., uma<br />

questão quase de sempre e que, como outras, de natureza filosófica, se vai complexificando passo a passo<br />

ou livro a livro e evolui para os problemas das relações entre pai e filho. Romances futuros, como Para<br />

sempre (1983) e Até ao fim (1987), tratarão disso, mas aos leitores atentos a esse tema vergiliano já em Estrela<br />

polar se impunha a força desta afirmação: “Nenhum filho tem pais, mas todo o pai tem um filho.”<br />

(EP, p. 241).

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