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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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com a sua fantástica flor amarela, há de ser compreendido, principalmente, do ponto de<br />

vista da poesia, do puro poético, de uma poética absoluta.<br />

Outras constantes do universo romanesco de Vergílio Ferreira poderiam ser ainda<br />

aqui, senão analisadas – para evitar o demasiado alongamento desta reflexão sobre Nítido<br />

nulo –, ao menos referidas para assinalar a presença que têm no romance. Seria de mencionar,<br />

por exemplo, a questão do enclausuramento, tão presente no universo romanesco vergiliano,<br />

de certo modo já desde Mudança, mas muito particularmente em Manhã submersa,<br />

em que o Seminário, mais do que uma clausura é um espaço prisional. Tal como determinados<br />

ambientes de Aparição ou a cela de Adalberto, em Estrela polar, romance em que<br />

o protagonista já está enclausurado (não consegue sair de Penalva) mesmo antes de recolhido<br />

à cadeia por condenação judicial. Assim como Jaime Faria (de Alegria breve) não<br />

consegue deixar a aldeia deserta e devastada de destruição. Em Nítido nulo há uma diferença<br />

interessante a assinalar: Jorge está enclausurado porque preso na sua cela de condenado<br />

à morte, mas o cão, que se encontra em liberdade na praia, faz algumas deambulações<br />

pelo areal e retorna sempre ao mesmo lugar, onde acaba por se deitar, em atitude de espera<br />

e será morto pelo comandante do pelotão de fuzilamento. Portanto, também o cão está,<br />

paradoxalmente, em liberdade mas “enclausurado”. O erotismo e as reflexões sobre o corpo<br />

são índices recorrentes desde toda a produção romanesca e ensaística do escritor e que<br />

aqui se manifestam fortemente. Vera, Sara, Marta, Lúcia, e mesmo Helga, a namorada do<br />

filho, são as destinatárias dos impulsos eróticos de Jorge. Nas cenas de praia, a visão de<br />

corpos femininos jovens, musculados ou contornados de sensualidade, desperta intensamente<br />

os sentidos de Jorge 24 . E se é no corpo que toda essa carga erótica se concentra, o<br />

mesmo corpo a ultrapassa, como promessa ou desejo de absoluto, apesar da consciência da<br />

sua finitude 25 . O filho – e agora também o filho do filho – volta a ser referência temática<br />

(de passageira presença). Ambos se chamam Jorge, como o pai e o avô. Mas o filho não se<br />

relaciona com o pai, nem o pai espera filho algum. Tem dele apenas uma ilusória visão,<br />

mais ou menos passageira, através da janela gradeada, de onde o vê no areal, acompanhado<br />

da jovem namorada, dona de um corpo forte e sensual vestido apenas de ousada e sumária<br />

roupa de banho (detalhe que estimula o erotismo do narrador-protagonista). A visão esten-<br />

24 V., p. ex., a longa descrição-evocação que Jorge faz do corpo jovem de Marta, numa temporada de praia<br />

(p. 105-108).<br />

25 É interessante notar que, tal como em Alegria breve, em Nítido nulo toda a relação erótica resulta em vazio,<br />

desfeita a ilusão de que no erotismo pode estar uma forma de absoluto. Também recorrente, o tema do<br />

corpo merece, em Nítido nulo, algumas reflexões de natureza idêntica às que se encontram em Invocação<br />

ao meu corpo.

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