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de fundar um novo mundo e um novo tempo): “a cólera da justiça vai abrasar toda a terra.<br />
E a terra será pura outra vez e o homem poderá então construir a sua morada.” (NN, p. 99).<br />
Mas há ainda um terceiro “profeta”, surgido durante a sessão de julgamento de Jorge:<br />
– Criminosos de todo o mundo, ouvi-me!<br />
os olhos raiados de profecia, tinha os cabelos num vendaval. E verticalmente, o silêncio.<br />
Mas instantâneo, sincrônico, o engatilhar metálico de pistolas, num friso sutilíssimo da<br />
minha alucinação. E logo frenético, picotado, um disparo simultâneo – e o homem ficou<br />
esburacado de balas. O sangue rebentou em vários buracos como jatos de mangueiras<br />
contra a cara dos magistrados, escorria espesso, coagulava como papa pelo chão. O homem<br />
virou-se eu vi-lhe a cara, sorria. Um rego de sangue descia-lhe da testa, escorria<br />
pelos dentes em sorriso, para o lábio de baixo, o queixo, saía talvez da boca, a língua<br />
com sangue, os dentes brancos entre o sangue, toda a boca numa massa sangrenta, sorria<br />
sempre. Houve um tiro ainda isolado, ele estremeceu um pouco, sorriu ainda. Tinha<br />
uma coisa muito importante a dizer nos olhos, no sorriso. Ergueu mesmo um pouco a<br />
mão com um dedo de aviso no ar. Depois caiu. Não. Depois não caiu. Depois disse:<br />
– Eu não morro!<br />
Depois é que caiu. Ou saiu pela porta fora? (NN, p. 300-301).<br />
Jorge estaria também nesta seqüência de “profetas”, se considerado enquanto Verbo<br />
da revolução. Foi ele a sua palavra, a sua voz, a sua idealização. Mas havendo sido traída<br />
essa idealização, traído também fora Jorge naquilo sobre o que profetizara, nos ideais que<br />
propusera, nas “verdades” em que acreditara e pelas quais se fizera a revolução. E à espera<br />
do fim, numa cela de cadeia, Jorge não tem mais sobre o que profetizar, a não ser sobre a<br />
nulidade de tudo, nulidade que lucidamente percebe, nitidamente vê. Nítido, entretanto<br />
nulo, é o mundo e tudo o que está nele. Jorge é o último profeta da nulidade, o arauto do<br />
nada, o quarto e derradeiro pregador do apocalipse, que a si mesmo se acompanha desde a<br />
infância. “Profeta” de um mundo morto e vazio, não espera mais nada nem ninguém. Não<br />
traz “nenhum messias na algibeira”...<br />
A morte da criança, ou a inocência sacrificada, é uma das constantes de maior vigor<br />
e talvez de maior presença nos romances de Vergílio Ferreira. Cristina, em Aparição, o<br />
filho de Paula, em Cântico final, os filhos de Adalberto e de Jaime, em Estrela polar e A-<br />
legria breve, são exemplos dessa recorrência em que também se inscreve a morte de Lúcio,<br />
em Nítido nulo. No universo simbólico vergiliano o filho significa a continuidade da pre-