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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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interrompendo a reflexão que vinha fazendo – “ser forte é tão simples. Sem antes nem depois.<br />

Sem finalidade a atingir senão a que implícita está no fato bruto de se ser. Sem autoexame<br />

devorante de si mesmo. Agora sou.” – a partir da visão do animal essa reflexão é<br />

retomada, mas já noutro sentido: “Tudo na vida é tão difícil. Ser é difícil, ó Deus. Tanto.<br />

Viver naturalmente, morrer naturalmente. É necessário que tu morras, que tu morras!”<br />

(NN, p. 43, itálico do texto citado). E aqui, obviamente uma ambigüidade se instala: tu<br />

quem, o cão? Deus? O Homem?... E é exatamente essa a pergunta que logo a seguir o próprio<br />

narrador se faz:<br />

[...] tu quem? Mil vezes te matamos mas ressuscitaste sempre. Nas formas mais<br />

estúpidas. A gente apeou-o e imediatamente outros palhaços grimparam para o trono<br />

vazio. Mas eles não têm culpa, quem nos manda a nós ser trouxas? Nós é que temos a<br />

culpa, o homem é tão miserável. Não agüenta com o seu peso, alguém que lhe pegue nele<br />

enquanto vive. Alguém que lhe diga: deixa ver que eu te pego no carrego enquanto<br />

vais à tua vida. Que têm os outros a ver com a vida dele?<br />

– Estás só. Agüenta. E sorri, se puderes. [...].<br />

– O homem é que é o deus do homem. (NN, p. 44).<br />

Seria necessário matar o cão, mas Deus também morreu, e a divindade própria do<br />

homem. Deus e também os seus profetas: “O tempo dos profetas acabou, e é a hora do balanço.”<br />

(p. 154). E morrerão os profetas, mas também os inocentes, como os loucos e as<br />

crianças. São já conhecidas de anteriores romances de Vergílio Ferreira essas estranhas<br />

figuras que oscilam entre a realidade dos loucos de aldeia e o imaginário dos “profetas”,<br />

mas nenhum outro romance os tem em tal quantidade quanto Nítido nulo. Ou serão sempre<br />

o mesmo e um único, mas revestido de diferentes formas e “aparecido” ou relembrado em<br />

diferentes circunstâncias. Mas sempre vítima (ou vítimas) da violência humana. “O tempo<br />

dos profetas acabou” – “É necessário que tu morras”. Têm sempre na boca um discurso<br />

longo, apocalíptico e vingador:<br />

– Desgraçados de todo o mundo, ouvi-me! [...]<br />

– Soou a hora do ajuste de contas, o reino da justiça vai descer sobre a terra.<br />

Vinde a mim vós todos os que sofreis e sereis consolados. [...]. Escravos, miseráveis,<br />

oprimidos, sacudi a canga do pescoço e eu vos prometo a paz e a felicidade [...]. Tu,<br />

serva sem esperança, amochada uma vida inteira por um bocado de pão e uma manta<br />

para dormir porque é que esperas para gritares a tua revolta? [...] Bem sei que hei-de ser

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