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Adalberto, Jaime e particularmente Jorge – sempre olhando pelas grades da sua cela); a<br />
ausência (ou pelo menos uma imensa inapetência) de “participação ativa na vida social” e,<br />
finalmente, não de todo a “despolitização”, mas sobretudo a “dessacralização”, a “desumanização”<br />
e a “coisificação”, mas enquanto fenômenos muito mais fundamentais do que o<br />
sentido que lhes pode dar a acepção meramente sociológica. Ou seja, quando aplicados a<br />
Vergílio Ferreira, conceitos como “dessacralização”, “desumanização” e “coisificação”<br />
estarão sempre carregados de sentido existencial.<br />
Goldmann vai ainda falar do “desaparecimento de toda a importância e toda a significação<br />
da ação dos indivíduos, sua transformação em mirones, em seres puramente passivos,<br />
[aspectos que] não passam de manifestações periféricas de um fenômeno fundamental,<br />
precisamente o da coisificação, o da transformação dos seres humanos em coisas, a um<br />
ponto tal que se torna difícil distingui-los daquelas” 19 . E mais adiante, já quase em tom<br />
conclusivo: “o que importa [...] é a estrutura de um mundo em que os objetos adquiriram<br />
uma realidade própria, autônoma; em que os homens longe de dominarem esses objetos,<br />
estão assimilados aos mesmos; e em que os sentimentos só existem na medida em que possam<br />
manifestar-se ainda através da coisificação.” 20 .<br />
Ora, este é um processo a que de certo modo se assiste em Nítido nulo e que porventura<br />
terá tido início em traços de Alegria breve ou mesmo de Estrela polar. “Desaparecimento<br />
de toda a importância e toda a significação da ação dos indivíduos, [...] transformação<br />
dos seres humanos em coisas, [...] um mundo em que os objetos adquiriram uma<br />
realidade própria”, ou seja, “um universo autônomo de objetos.” Se a coisificação do homem<br />
reduz em importância a condição humana nivelando-a à das coisas materiais, conseqüentemente<br />
estas devem crescer em interesse, e é o que se verifica na concepção narrativa<br />
e mesmo “filosófica” dessas obras características do denominado nouveau roman. É bom<br />
lembrar que a cosmovisão predominante nesse modo romanesco é conseqüência da náusea<br />
e do absurdo existencialistas e dá continuidade a um processo de redução da importância<br />
do ser humano, cada vez mais relegado à inferioridade e permanentemente ameaçado de<br />
extinção – com toda a espécie e civilização de que faz parte – pela guerra tecnológica latente<br />
num mundo polarizado entre duas potências nucleares sempre em estado de tensão.<br />
Também na obra ficcional de Vergílio Ferreira o homem vinha em queda, desde Estrela<br />
polar até Nítido nulo. Tendo perdido Deus, perdera também ao “outro” e a si mesmo. Per-<br />
19 Idem, ibidem, p. 190-191.<br />
20 Idem, ibidem, p. 191.