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dos representantes mais autênticos e mais brilhantes, sendo precisamente aquele que<br />
marca o aparecimento de um universo autônomo de objetos, com sua própria estrutura e<br />
suas leis, e através do qual só se pode ainda exprimir, em certa medida, a natureza humana.<br />
16<br />
Obviamente o que mais nos importa nesta “hipótese” de Goldmann é a referência<br />
que ele faz à “dissolução do personagem” como característica de um período da “história<br />
das formas romanescas”, sendo também, entretanto, de anotar que, segundo ele, Nathalie<br />
Sarraute realiza disto “uma das suas manifestações mais radicais” e que Robbe-Grillet<br />
“marca o aparecimento de um universo autônomo de objetos.” Mais adiante, preparando-se<br />
para analisar a obra de Nathalie Sarraute, Goldmann de certo modo radicaliza: “ela pareceme<br />
[...] um escritor que exprime um aspecto essencial da realidade contemporânea numa<br />
forma para a qual criou, sem dúvida, uma nova modalidade, mas que é ainda a dos escritores<br />
do desaparecimento do personagem, Kafka, Musil, Joyce, de quem ela, aliás sofre a<br />
influência em várias instâncias.” 17 . A radicalização está no “desaparecimento” da personagem,<br />
que, por mais transformada que esteja em relação ao seu modelo clássico e tradicional,<br />
por mais extremo que seja o processo de “dissolução” a que as vanguardas romanescas<br />
a submetam continuará existindo (e portanto não pode “desaparecer”) como categoria indispensável<br />
à narrativa ficcional.<br />
Mais adiante, discorrendo sobre os romances de Robbe-Grillet, Goldmann refere a<br />
“passividade crescente, o caráter de “olheiros” que os indivíduos adquirem, progressivamente,<br />
na sociedade moderna, a ausência de participação ativa na vida social, aquilo que,<br />
na sua manifestação mais visível, os sociólogos modernos chamam a despolitização, mas<br />
que, no fundo, é um fenômeno muito mais fundamental que se poderia designar, numa<br />
graduação progressiva, por termos tais como: despolitização, dessacralização, desumanização,<br />
coisificação.” 18 .<br />
Observe-se que expurgada a carga histórico-sociológica e econômica de que as análises<br />
de Goldmann estão “contaminadas”, interessa, à aproximação com Vergílio Ferreira a<br />
“passividade crescente” de que se nota sofrerem (desde Carlos Bruno) as suas personagens<br />
mais dramaticamente existenciais; o “caráter de ‘olheiros’” de algumas delas (Alberto,<br />
16 GOLDMAN, op. cit., p. 180.<br />
17 Idem, ibidem, p. 181 (o itálico é meu).<br />
18 Idem, ibidem, p. 190. (Os itálicos são de Goldmann, mas é importante chamar a atenção para os termos<br />
“dessacralização”, “desumanização” e “coisificação” por extremamente adequados à problemática de Nítido<br />
nulo que enseja a reflexão que aqui está em curso).