21.05.2014 Views

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

178<br />

uma granada. Um estampido embate nas paredes, medonho, algumas lâmpadas apagamse.<br />

Um montão de sucata na rua. Desço a ver a extensão da minha força. Do crânio do<br />

polícia saltam várias molas que bamboleiam lentas no ar. Palpo-o todo nas articulações<br />

destruídas. Olho as mãos, tenho-as todas cheias de óleo. (NN, p. 198).<br />

O contraste é mais que evidente: à “divinização” do animal opõe-se a mecanização<br />

do homem. Em alguns casos a sua coisificação, e mesmo a sua animalização. Repare-se<br />

que Teófilo tem um “focinho triangular” (p. 170); que enquanto ele e o segurança caminham<br />

pelo corredor, discutem fazendo “gestos aracnídeos” (p. 171); que os dois são vistos<br />

por Jorge como “bonecos de lata” (p. 171); que o segurança é um “bloco de pedra talhado a<br />

picareta” (p. 172-173) e além disso tem uma “cara-de-cavalo” (p. 173) e que depois de<br />

fazer para Jorge um longo discurso para o convencer a aderir à revolução, Teófilo “teve um<br />

tique nas ligações elétricas da face, ficou quieto outra vez”, como se fosse uma máquina<br />

que tivesse sido desligada. No discurso cínico e cruel de Jorge “o homem teve sempre uma<br />

fração de suíno, de camelo, as coisas pegadas ao focinho.” (p. 142). “O homem só é um<br />

animal racional nos intervalos de ser animal. Na realidade, nem isso. Na realidade só é<br />

racional para justificar a animalidade.” (p. 163-164).<br />

Nas relações possíveis de observar entre Nítido nulo e a concepção estética do novo<br />

romance, nascido francês e agora já velho de quarenta anos, estas são, sem dúvida, algumas<br />

referências a registrar, muito embora esta obra de Vergílio Ferreira ultrapasse, em<br />

termos filosóficos, as propostas daquele modo romanesco. No ensaio “O novo romance e a<br />

realidade”, Lucien Goldmann começa por lembrar que, num certo consenso, o novo romance<br />

constitui “um conjunto de experiências puramente formais, e, no melhor dos casos,<br />

uma tentativa de evasão fora da realidade social” 12 – mas não apenas isso, logo se apressa a<br />

esclarecer. E na seqüência do estudo, refere um certo esgotamento da análise psicológica<br />

da personagem, exaurida, ou quase, por autores como Balzac e Stendhal. Essa “exaustão”<br />

da “psicologia” da personagem, tal como a realizaram os grandes ficcionistas do século<br />

XIX, teria destituído de interesse esse campo de trabalho para romancistas como Joyce,<br />

Proust, Kafka, que “tiveram de se orientar para realidades mais delicadas e sutis, abrindo<br />

assim um caminho que os romancistas de hoje têm de esforçar-se por continuar.” 13 . Prosseguindo<br />

na reflexão, diz Lucien Goldmann que<br />

12 GOLDMANN, Lucien. Sociologia do romance. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967, p. 172.<br />

13 Idem, op. cit., p. 173.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!