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uma granada. Um estampido embate nas paredes, medonho, algumas lâmpadas apagamse.<br />
Um montão de sucata na rua. Desço a ver a extensão da minha força. Do crânio do<br />
polícia saltam várias molas que bamboleiam lentas no ar. Palpo-o todo nas articulações<br />
destruídas. Olho as mãos, tenho-as todas cheias de óleo. (NN, p. 198).<br />
O contraste é mais que evidente: à “divinização” do animal opõe-se a mecanização<br />
do homem. Em alguns casos a sua coisificação, e mesmo a sua animalização. Repare-se<br />
que Teófilo tem um “focinho triangular” (p. 170); que enquanto ele e o segurança caminham<br />
pelo corredor, discutem fazendo “gestos aracnídeos” (p. 171); que os dois são vistos<br />
por Jorge como “bonecos de lata” (p. 171); que o segurança é um “bloco de pedra talhado a<br />
picareta” (p. 172-173) e além disso tem uma “cara-de-cavalo” (p. 173) e que depois de<br />
fazer para Jorge um longo discurso para o convencer a aderir à revolução, Teófilo “teve um<br />
tique nas ligações elétricas da face, ficou quieto outra vez”, como se fosse uma máquina<br />
que tivesse sido desligada. No discurso cínico e cruel de Jorge “o homem teve sempre uma<br />
fração de suíno, de camelo, as coisas pegadas ao focinho.” (p. 142). “O homem só é um<br />
animal racional nos intervalos de ser animal. Na realidade, nem isso. Na realidade só é<br />
racional para justificar a animalidade.” (p. 163-164).<br />
Nas relações possíveis de observar entre Nítido nulo e a concepção estética do novo<br />
romance, nascido francês e agora já velho de quarenta anos, estas são, sem dúvida, algumas<br />
referências a registrar, muito embora esta obra de Vergílio Ferreira ultrapasse, em<br />
termos filosóficos, as propostas daquele modo romanesco. No ensaio “O novo romance e a<br />
realidade”, Lucien Goldmann começa por lembrar que, num certo consenso, o novo romance<br />
constitui “um conjunto de experiências puramente formais, e, no melhor dos casos,<br />
uma tentativa de evasão fora da realidade social” 12 – mas não apenas isso, logo se apressa a<br />
esclarecer. E na seqüência do estudo, refere um certo esgotamento da análise psicológica<br />
da personagem, exaurida, ou quase, por autores como Balzac e Stendhal. Essa “exaustão”<br />
da “psicologia” da personagem, tal como a realizaram os grandes ficcionistas do século<br />
XIX, teria destituído de interesse esse campo de trabalho para romancistas como Joyce,<br />
Proust, Kafka, que “tiveram de se orientar para realidades mais delicadas e sutis, abrindo<br />
assim um caminho que os romancistas de hoje têm de esforçar-se por continuar.” 13 . Prosseguindo<br />
na reflexão, diz Lucien Goldmann que<br />
12 GOLDMANN, Lucien. Sociologia do romance. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967, p. 172.<br />
13 Idem, op. cit., p. 173.