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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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177<br />

de contraponto com o esvaziamento do humano. Há um contraste evidente entre a “divinização”<br />

do animal e a mecanização, a robotização, ou coisificação do homem. Já em Alegria<br />

breve se falava de homens “tecnificados” e na “tecnificação” da aldeia operada por<br />

eles. Os quatro jornalistas que vão à aldeia para entrevistar e fotografar Jaime Faria quando<br />

ele era já o único habitante, lembram robots: na padronização das suas roupas, dos seus<br />

gestos mecânicos, das perguntas que fazem e das máquinas fotográficas que conduzem e<br />

utilizam 9 . No romance anterior – Estrela polar – o Sr. Sousa necessita de um aparelho para<br />

fazer ouvir a sua voz, e é portanto, também de certo modo, um homem “tecnificado” 10 . Em<br />

Nítido nulo há uma cena em que Jorge é procurado na redação da Dafne por dois homens<br />

que o vão convencer a participar da revolução, e esses homens, dos quais só um tem nome,<br />

têm gestos e modos de andar e ausência de emoções que os assemelham a máquinas, a a-<br />

nimais ou a blocos de pedra 11 . Também os pescadores que Jorge vê na praia usando roupas<br />

iguais, têm gestos instantâneos e simétricos, como máquinas, e parecem pertencer a um<br />

mundo fantástico e estarem ali “petrificados, fora do tempo” (v. NN, p. 176 e 177). Mas<br />

neste romance, o que neste aspecto da mecanização ou coisificação do homem é de maior<br />

relevo é a “descrição” dos policiais que tentam reagir contra os revolucionários:<br />

[...] um polícia motorizado aponta agora ao extremo da rua. Dobrado sobre a máquina,<br />

metálico, brilha poderoso, passa. Um outro polícia niquelado, brilhante de metais, aparece<br />

à curva da rua, inclinado ao chão, na pura velocidade. Meto a mão ao bolso, atiro<br />

9 V. Alegria breve, p. 161 e ss.<br />

10 Cf. Estrela polar: “aquela voz não exprimia um ser humano e não vinha donde a gente a esperasse. Era<br />

uma voz lateral ou subterrânea, tinha um toque estrangulado como de um coaxar de rã. Voz rouca, de um<br />

bicho grosseiro, feita de lata e de ferrugem.” (p. 66). Voz “neutra, emperrada, quase uniforme, mantinha o<br />

tom rascante de uma voz de batráquio ou de um velho relógio. [...] numa manobra precipitada, escorregoulhe<br />

da mão o aparelho, que ficou suspenso de um cordão preto. Os lábios, porém, continuaram a mover-se<br />

convulsionados, mas o som que vinha deles era um som confuso, quase só como a respiração de um afogado.”<br />

(p. 67).<br />

11 Cf. Nítido nulo: “Era um sujeito agudo, de focinho triangular, vinha sozinho. Vinha com um outro tipo, um<br />

passo atrás, todo montado de músculos e que não era companhia – um guarda-costas? mas eu não conhecia<br />

nenhum. Estão ao fundo do corredor, vão começar a avançar. Avançam, o atleta ao lado e um pouco atrás.<br />

Vejo-os e na linha que nos une sinto, subitamente sinto que se equilibra dificilmente todo o destino do<br />

mundo. Um instante fico a vê-los quase comovido. Vêm direitos, talhados de História da cabeça aos tacões.<br />

[...]. E então penso-os outras vez, vejo-os outra vez. Recuam como num filme rodado para trás, estão<br />

de novo no começo do corredor. Avançai de novo agora, ó bonecos de lata, mas avançai naturalmente, desfardados,<br />

a vida é tão natural.” (p. 170-171). “Debruçados sobre si dão à perna, o atleta um pouco mais<br />

corretamente, talhado em músculo, dão ao braço, às vezes num arranque aceleram. [...] fizeram as apresentações,<br />

ele chamava-se Teófilo // – Teófilo dos Anjos // o outro não tinha nome. Já enquadrados numa<br />

formatura invisível, mas fortíssima decerto, pela segurança exibida [...]. Presentes ambos, recortados à tesoura<br />

em presença radical, [...]. Teófilo fala. [...]. // – O país inteiro tem os olhos postos em você. // [...]. O<br />

atleta não se move, bloco de pedra talhado a picareta. [...] Teófilo está sério. Dobra à frente o articulado do<br />

tronco, o rosto miudinho fica à frente do meu. É um rosto afuselado para o centro, deve ter aí uma broca.<br />

[...]. // Teve um tique nas ligações elétricas da face, ficou quieto outra vez.” (p. 171-174).

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