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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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175<br />

À cena da estupefação de Jorge diante do halo de “divindade” do cão, segue-se a<br />

que, sendo seqüência, encerra o romance. O condenado é levado para um trecho da praia,<br />

ao fundo da falésia, onde se deverá dar a execução. A praia está completamente deserta, as<br />

casas vazias, porque “a época balnear findou, os últimos banhistas desapareceram há muito”,<br />

embora ainda se pudessem ver alguns “paus dos toldos aqui além [...], alguns bancos<br />

ainda aglomerados, antes da hibernação.” (NN, p. 315). Na desolação desse cenário, em<br />

que se movem Jorge e os guardas, ele vê “um cão no meio da areia – terá dormido ali?” O<br />

cão “ergue um olho distraído, não se mexe.” (ibid.). Postados o condenado e o pelotão para<br />

o fuzilamento, aguarda-se a ordem, mas o comandante ainda não está. Enquanto esperam,<br />

“o cão levantou-se. A passo solto aproximou-se das ondas, começou a ladrar. Ladrava aos<br />

puxões, sacudido. Devia ter os olhos a arder, a baba a escorrer-lhe da boca. Ladrava clamorosamente,<br />

raivosamente, enchia o espaço do seu clamor, ladrava para o fim do mar” (NN,<br />

p. 316). Vem então o comandante, tentando manter o seu passo marcial prejudicado pela<br />

marcha na areia.<br />

Mas a certa altura parou, o cão bramia para o horizonte. Então o homem desviou-se do<br />

caminho que trazia, foi até ele, à beira das ondas, e ergueu-lhe a pistola ao crânio. No silêncio<br />

da manhã, um tiro. Depois, o mar ainda. Sempre. O homem deu meia-volta, um<br />

braço tombado segurando a pistola, pôs-se a subir a rampa em direção ao pelotão. Flexível,<br />

vai crescendo nos meus olhos, vai crescendo na manhã. Está um dia de sol. O céu<br />

sem uma nuvem. (Ibid., p. 316).<br />

Bem se poderia fazer aqui a pergunta que se tornou num dos leitmotiven de Alegria<br />

breve e de Nítido nulo: “o que é que isto quer dizer?” Que o comandante, irritado com o<br />

ladrar do cão matou o animal e em seguida comandou a execução de Jorge? Que matou o<br />

animal e poupou o condenado? Que o cão saiu da sua sonolenta letargia (estava deitado na<br />

areia e mal abrira um olho quando os homens passaram) para se oferecer à morte em lugar<br />

de Jorge? É mais que evidente que esta cena conclusiva do romance – como de resto toda a<br />

obra em seus vários aspectos – é intensamente tocada de simbolismo e portanto resistente a<br />

qualquer leitura de pendor realista. Nítido nulo é um romance abstrato. Assim o quis o seu<br />

autor. Mais do que isso, ou exatamente por isso, é uma obra aberta e o seu final é eloqüente<br />

nesse sentido. Será portanto necessário invocar teorias adequadas e teóricos capacitados<br />

para leitura desse gênero. A exemplo de Helder Godinho, que sobre as duas últimas cenas<br />

do romance assim se pronunciou:

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