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assim, ele reivindica uma lógica: “Agora não tenho razões, estou tão farto de discutir. E a<br />
que propósito vinha isto? Deve haver uma lógica na narração e eu estou a narrar. Não sei<br />
exatamente o quê, mas estou – que lógica?” 4 . Nítido nulo é um “romance abstrato”, tal como<br />
pretendeu o seu autor 5 . Romance abstrato que tem por certo o seu claro ponto de partida<br />
no anseio de um certo modo romanesco manifestado em Estrela polar, um romance<br />
(que então ainda não havia) “que se gerasse nesse ar rarefeito de nós próprios, do alarme<br />
da nossa própria pessoa, na zona incrível do sobressalto!” (EP, p. 56, itálico da citação).<br />
A ausência de uma escrita na trama romanesca de Nítido nulo é de tal modo significativa<br />
que tem de ser pensada em contraposição ao fato de ser Jorge o diretor literário de<br />
uma importante editora e da sua revista de cultura. Ademais, num momento crucial da a-<br />
ção, que é o da tomada da Emissora de Rádio, pelos revolucionários, momento em que<br />
Jorge, o Verbo da revolução, deveria fazer um comunicado ao país, só no exato instante de<br />
o fazer se dá conta de que esquecera de levar consigo o texto do manifesto. Portanto um<br />
Verbo de pura e abstrata palavra, um Verbo sem escrita. Poder-se-ia fazer aqui a pergunta<br />
obsessiva de Jaime Faria: “o que é que isto quererá dizer?”, pergunta, aliás, repetida e glosada<br />
por Jorge Andrade que freqüentemente também se indaga: “que é que tudo isto quer<br />
dizer?”, “que é que tudo significa?” (NN, p. 51 e 149). Quererá acaso dizer que o mundo<br />
moderno dispensa a escrita tradicional? Que a dispensam o memorialismo, a literatura, a<br />
filosofia, a política, porque num mundo mecanizado, robotizado, em que a linguagem se<br />
alterou profundamente, já não há lugar para a escrita? São apenas perguntas que, como<br />
tais, indagam sem visar responder a uma hipotética questão que poderia ser posta por Jaime<br />
Faria, por Jorge Andrade ou por qualquer leitor de Nítido nulo.<br />
4 FERREIRA, Vergílio. Nítido nulo. 2. ed. Lisboa: Portugália, 1972, p. 43. A este propósito, num momento<br />
posterior do romance encontra-se este passo significativo:<br />
[...] de que estou falando? Estou contando uma história, sei razoavelmente o que é que quero contar.<br />
Mas de vez em quando, sem dar por isso – a verdade de tudo estaria noutro lado? o mais importante,<br />
o definitivo, o que de fato significa. Não o sei, vou-o aprendendo. Raro se é o que se quer ser ou se<br />
faz mesmo o que se fez. Faz-se quase sempre outra coisa. Pinta-se uma guitarra e sai um bacalhau.<br />
Estou contando uma história. (p. 128-129).<br />
5 Neste registro de Conta-Corrente 2 Vergílio Ferreira defende, para Nítido nulo, a condição de primeiro<br />
romance abstrato português:<br />
16-Dezembro (segunda) [1978]. Conversa ao telefone com o Gaspar Simões. A propósito<br />
do livrinho de C. Oliveira, dissera ele [...] que se tratava do nosso primeiro “romance abstrato” e que<br />
esta designação era “absolutamente inédita” entre nós. Lembrei-lhe que não. No Espaço do invisível<br />
I (1965) já eu usara a expressão. E adiantei que o primeiro “romance abstrato” português, bons deuses,<br />
fora Nítido nulo – desde o título. (CC2, p. 231-232).