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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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da palavra, toda uma vida passada que explica o presente e ilumina o futuro. Do debruçar-se<br />

indagativo sobre as razões, as dúvidas e o verdadeiro significado de toda sua vida<br />

e de sua ação frustrada é que brota tudo o mais que a problemática global do livro enfeixa.<br />

2<br />

Da citação importa agora destacar “o papel estrutural que essa ‘situação’ desempenha<br />

no todo”. A situação é a do enclausuramento de Jorge, recolhido à cela de uma prisão<br />

aguardando a morte a que foi sentenciado. Na verdade é uma situação-limite, a da iminência<br />

do fim, do término da existência de que lhe restam poucas horas, o tempo de uma tarde.<br />

É a partir dessa “situação” que o romance se estrutura. Outros já se haviam aproximado<br />

desse modo estruturante: Manhã submersa é o texto memorialístico que Santos Lopes escreve<br />

fechado num “quarto nu”; Aparição é o texto que Alberto Soares escreve ao longo<br />

das noites na sala deserta do casarão da aldeia; Estrela polar é o texto que Adalberto escreve<br />

encerrado numa cela de cadeia; Alegria breve relata, da experiência de Jaime Faria, a<br />

sua impossibilidade de partir da aldeia deserta. Em Aparição o protagonista consegue vencer<br />

o contraditório sentimento de atração e repulsa por Évora e regressa à sua montanha<br />

natal. Mas já em Estrela polar, mesmo antes de se encontrar recolhido à cela prisional A-<br />

dalberto já estava “preso” aos limites da cidade, tal como ocorrerá com Jaime Faria, relativamente<br />

à sua aldeia. Em Nítido nulo repete-se a situação de recolhimento do protagonista<br />

à exigüidade de uma cela de prisão. Mas as paredes e as grades que retêm o seu corpo na<br />

estreiteza desse espaço, não impedem a liberdade da memória, das idéias, da reflexão, do<br />

delírio, da palavra, ou da linguagem para que tudo conflui. É pela visão, pela memória, o<br />

pensamento, a reflexão ou o delírio, por tudo o que toma corpo e sentido pela palavra que<br />

se faz linguagem que Jorge permanece livre. Pelo Verbo, portanto, ele, que fora o Verbo da<br />

revolução. Mas curiosamente, se nos romances anteriores ainda agora citados há sempre<br />

um texto escrito de que o próprio romance é a representação, uma memória que se faz escrita,<br />

em Nítido nulo não há escrita alguma. O “texto” é o do fluxo da oralidade do protagonista,<br />

ou o da sua imaginação, da sua memória, da contínua associação que faz de idéias,<br />

de lembranças, de visões, num trabalhar ininterrupto do seu cérebro, numa contínua sucessão<br />

de imagens, geradora de um certo automatismo da linguagem de que é quase impossível<br />

não estabelecer paralelismo com a linguagem cinematográfica. Ou com a corrente da<br />

2 Idem, ibidem.

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