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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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samentos, divagações, lembranças, desejos... e a partir daquilo que ele pode ver por entre<br />

as grades da sua cela e relembrar em fogachos fragmentários da memória.<br />

A fábula (cujos elementos – como já foi dito – estão dispersos ao longo do romance),<br />

é sugestiva de uma ficção que, apesar da considerável extensão, é de ação escassa,<br />

trama aparentemente singela e além disso diluída, fragmentária, desordenada, quase caótica.<br />

Daí a dispersão, ao longo do texto, dos elementos que a compõem. Mas a leitura plena<br />

do romance indicará por fim que a diluição da trama, a sua fragmentariedade, a aparente<br />

desordem, o caos, tudo isso obedece a uma “ordem” ou a uma “organização” que é a da<br />

estrutura dada à narrativa. Estrutura que lentamente se vai compondo, delineando, tornando<br />

visível à medida que as “peças” que a formam se vão “encaixando”. Nelly Novaes Coelho<br />

chama a atenção para esse “construtivismo” do romance e para o traço redutor da fábula<br />

que dele se possa fazer. Redutora, é claro, é qualquer fábula de qualquer romance, mas<br />

eventualmente o caráter reducionista de uma síntese romanesca é mais flagrante num livro<br />

como Nítido nulo, dado o seu caráter de obra resistente ao resumo, quase impossível de ser<br />

sintetizada. Essa característica justifica a advertência da ensaísta no seu estudo do romance:<br />

“Destacada do emaranhado tecido romanesco e submetida ao esquematismo a que a<br />

reduzimos, essa ‘fábula’ está longe de caracterizar a riqueza do fluxo narrativo que faz a<br />

atração de Nítido nulo.” 1 . É interessante destacar, desta observação de Novaes Coelho, a<br />

expressão “fluxo narrativo” (o grifo é meu) pelas óbvias razões de que, a certa altura do<br />

texto, o leitor constatará, muito claramente, que toda a narração do romance se constitui<br />

num longo e às vezes vertiginoso, às vezes lento, repetitivo e redundante fluxo narrativo ou<br />

mais do que isso – e espero que mais claramente em termos técnico-estruturais – num “fluxo<br />

de consciência”, num monólogo interior (um quase solilóquio), numa corrente, ou torrente<br />

ou jato ininterrupto, de visões, sensações, memória, desejos, que acometem o narrador<br />

nas suas horas finais, as horas em que espera o momento da sua execução. “Fluxo”<br />

interior, subjetivo, mental, mas que se faz palavra, se faz texto, a palavra e o texto da narração<br />

– e repare-se bem que não a escrita da narrativa, mas a palavra da narração. É importante<br />

regressar ao que diz Nelly Novaes Coelho:<br />

Entretanto a redução esquemática torna evidente o papel estrutural que essa “situação”<br />

desempenha no todo. O “presente” da narrativa (isto é, a situação básica do enredo) limita-se<br />

a uma tarde, durante a qual o lúdico/tenso rememorar do prisioneiro traz, à tona<br />

1 COELHO, Nelly Novaes. Vergílio Ferreira: ficcionista da condição humana. In: _____ . Escritores portugueses.<br />

São Paulo: Quíron, 1973, p. 233.

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