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Um romance que assim se conclui – como um romance do desespero, apesar do estoicismo<br />
ou mesmo do otimismo do protagonista – poderia ser, filosoficamente, uma porta<br />
fechada no horizonte literário de Vergílio Ferreira. Espécie de huis clos sartriano... Para<br />
onde ir, depois da morte de tudo e da agonia de um homem solitário e abandonado num<br />
universo vazio e espesso de inverno e de gelo? A obra do escritor poderia ter enveredado<br />
por um corredor sem saída, ou, à maneira da sua personagem, abrir para um novo ciclo,<br />
uma nova fase ou uma nova perspectiva, acreditando que a morte de Deus e a morte de<br />
tudo também poderiam ser um ponto de partida e em si mesmo um valor. Era necessário<br />
esperar pelo romance seguinte e nele conferir se o princípio da essencial continuidade da<br />
obra se mantinha e se nela se continuava processando a dialética da transformação na permanência.<br />
E quando foi publicado o novo livro, o romance Nítido nulo, leu-se no pórtico<br />
esta epígrafe de Fernando Pessoa: “Não haver deus é um deus também”. A obra abrira para<br />
um novo ciclo – sobretudo na dimensão filosófica –, o do reconhecimento da ausência de<br />
Deus, o da aceitação desta verdade terrível, o da consciência de que o Homem está só e<br />
apenas consigo mesmo e com a humanidade à qual pertence. Mas a ausência de Deus não<br />
pode constituir um vazio, porque há o Homem a preenchê-lo. A inexistência de Deus é um<br />
valor, ainda que um valor negativo, considerando que Ele não é, não está. Mas é um valor,<br />
porque o ateísmo ou o agnosticismo implica a coragem do reconhecimento e da aceitação e<br />
há de implicar, também, uma ética própria. Por isso, “não haver deus é um deus também”.<br />
Assim, do ponto de vista temático-filosófico, Nítido nulo é um romance que dá continuidade<br />
à reflexão que o autor vinha fazendo desde obras anteriores, pode-se dizer que a<br />
partir de Mudança, mas, sobretudo, desde Cântico final e Aparição, que é de onde e de<br />
quando essa reflexão é mais coesa e mais perceptível. Do ponto de vista escritural, formal<br />
ou da estruturação do texto romanesco, Nítido nulo avança, numa ousadia maior do que a<br />
empreendida em Estrela polar e Alegria breve, embora mantendo, sobretudo com este último,<br />
uma linha de parentesco e de continuidade bastante evidente.<br />
Evidente é, por exemplo, o que o romance sugere de desestruturação. Nítido nulo é<br />
um texto em que é inútil procurar a lógica formal de uma narrativa. O que havia de lógico<br />
e de formal no sentido da tradição, neste romance explodiu por completo, e, em princípio,<br />
seria mesmo questionável a classificação do livro como romance, se o critério fosse o da<br />
tradição. É verdade que de alguma forma isso se vinha prenunciando desde os dois livros<br />
imediatamente anteriores, mas em Nítido nulo esse processo de desrealização do real e da<br />
pulverização da estrutura romanesca atinge um ponto culminante. Embora o livro não o