21.05.2014 Views

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

163<br />

1. NÍTIDO NULO:<br />

Quase ao entardecer, a hora suspensa entre o antes e o depois<br />

Entre os temas de fundamental importância e de evidente recorrência nos romances<br />

de Vergílio Ferreira, está, como já se sabe, o da morte de Deus. Preludiado, ainda discretamente,<br />

desde Mudança, Manhã submersa e Apelo da noite, vai passando e gradativamente<br />

aumentando de intensidade, como num crescendo musical avassalador, por Cântico final,<br />

Aparição, Estrela polar e Alegria breve. Este é o romance em que esse tema culmina.<br />

A morte de Deus e de tudo o que rodeia o homem e que o homem construiu como ilusão de<br />

Absoluto. Porque está morta a terra e mortos ou foragidos todos os que nela habitavam, à<br />

exceção de um único, que espera a chegada de um filho mítico e messiânico, para então<br />

morrer também e dar-lhe o seu lugar no mundo. Um lugar fundador de um novo tempo, um<br />

novo espaço e um novo ser. Conseqüentemente, mortas estão as religiões, porque mortos<br />

todos os deuses. E também as filosofias, porque já não há quem acredite nelas. E as artes<br />

todas, meros artifícios mais ou menos lúdicos, gratuitos e desenraizados. Mesmo a mais<br />

pura das artes, a que deveria possibilitar a maior elevação do homem e conduzi-lo a uma<br />

relação com a transcendência, mesmo essa está manchada das impurezas de um passado<br />

equívoco. E mortas, também, as esperanças de salvação do homem pela ação capaz de resumir<br />

uma existência, e do erotismo, que morre também com o passar do tempo, com o<br />

envelhecimento do homem ou com a sua morte. Sem dúvida Alegria breve tem tudo para<br />

ser um romance de desespero (é tão fugaz a alegria de ter nascido...), mas Jaime Faria mantém<br />

uma serenidade estóica, afirmando que apesar de tão breve a vida, ainda assim valeu a<br />

pena haver nascido. Sem se entregar ao desespero, Jaime Faria constrói, do profundo desamparo<br />

em que a morte de Deus deveria lançar o homem, um alicerce de otimismo. A<br />

morte de Deus não é um ponto de chegada, é um ponto de partida. Um novo homem vai<br />

nascer com a chegada do seu filho. E a partir daí, dar-se-á a solidificação da própria humanidade<br />

do homem, sozinho no universo e na existência, consigo mesmo, face à grande Ausência,<br />

enfrentando o seu destino de estar só, sem o amparo da Presença divina, e havendo,<br />

de resolver por si, o seu próprio destino.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!