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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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tomadas exteriores com destaque para a aldeia – tal como era originalmente, depois “tecnificada”<br />

e em seguida degradada, desertificada –, a montanha, os dois picos apontados para<br />

o alto como duas torres, os cortes de cena que encontram equivalência nas constantes alque<br />

permitem pensar num Fellini ou num Antonioni, num Buñuel ou quem sabe<br />

ternâncias crono-espaciais, o detalhamento na concepção de certas figuras e de certas cenas,<br />

algumas de um surrealismo grotesco... Enfim, elementos de uma narrativa cinematográfica<br />

num Chaplin, cujo Carlitos (exatamente o de Tempos modernos), também está presente no<br />

romance de Vergílio 59 .<br />

À concepção cinematográfica do romance nem mesmo falta a hipótese da trilha so-<br />

uma música constante na memória de Jaime, que, à sua lembrança, escreve a sua<br />

nora. Há<br />

experiência de vida enquanto espera o filho. É uma música mantida em mistério pela narra-<br />

Os quatro elementos, há nela qualquer sugestão wagneriana, mas bem pode<br />

tiva. Chama-se<br />

ser as Quatro estações, de Vivaldi, porque é uma música suave, que a Jaime parece mesmo<br />

delicada e que lhe lembra “os veios de água pela Primavera, as flores alegres dos campos”,<br />

embora lhe pareça também tão “triste como uma alegria desesperada.” (AB, p. 12). É nela<br />

que se enovelam os uivos dos cães que sobem com ela em direção às estrelas. É uma músi-<br />

“um ateu superior deveria fazer o seu hino” (p. 90) e que, de algum modo se<br />

ca da qual<br />

identifica pela referência comparativa feita por Ema: “– Prefiro-o a Bach. Oh, sim, é infinitamente<br />

menor. Quando você o descobrir estará reconciliado com a vida.” (ibid.). Como<br />

uma música de fundo, Os quatro elementos estão permanentemente presentes na memória<br />

narradora de Jaime, desde a abertura trágica à exposição e desenvolvimento dos temas e<br />

motivos, culminando na grande coda ou conclusão sinfônica do romance, que em círculo<br />

se fecha para o reinício da vida na esperança do regresso do filho, na renovação das estadas<br />

gerações, no grande círculo que move os elementos cósmicos do ções ou<br />

universo.<br />

161<br />

59 Cf. Alegria Breve:<br />

A verdade é que, ao impulso do fazer, a certa altura as minhas mãos trabalhavam no vazio. Não poroutras<br />

e o que ficava era<br />

que houvesse talvez coisas a fazer. Mas as coisas passavam umas atrás das<br />

o jeito de as manipular. Lembra-me um filme – de quem? Um sujeito passava os dias a apertar parafusos.<br />

Depois das horas do trabalho, já não tinha parafusos. Mas as mãos apertavam ainda os parafusos<br />

que já não havia. Há uma aranha dentro de nós à procura de uma teia. E de súbito pensei: é o limite<br />

da tua verdade, da tua obsessão. Nada mais. (p. 130).<br />

Esta alusão ao filme de Chaplin é, não apenas uma simples alusão ao cinema, mas implica-o, na implicitação<br />

da idéia de movimento (das coisas que “passavam umas atrás das outras”), e ainda implica a idéia de<br />

absurdo, na falta de controle dos movimentos do sujeito, que, acabadas as horas de trabalho, condicionado<br />

que está pelo “impulso do fazer”, continua a apertar parafusos imaginários.

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