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ferro e de cimento” (ibid., p. 73) –. Já era, mais ou menos assim, em Mudança, o engenheiro<br />
Rui. Ele também, tal como Chico, carregado de certezas, de pragmatismo, de soli-<br />
de racionalidade e de ironia. O nouveau roman manifesta-se ainda, em Ale-<br />
dez material,<br />
gria breve, na quebra de convenções romanescas, como por exemplo, a inexistente segu-<br />
quanto às coisas narradas. A narração é carregada de incertezas quanto a<br />
rança do narrador<br />
fatos, datas, falas, participação de personagens em atos da ação. Já desde Estrela polar as<br />
incertezas do narrador se haviam instalado na narrativa como uma estranha maneira de<br />
contribuir para a sua estruturação, ou, ao inverso disso, para simular a sua desestruturação,<br />
tal como interessava ao movimento estético francês, para fazer a representação de um<br />
mundo desestruturado, passível de ser destruído – literalmente pulverizado – com toda a<br />
humanidade que o habita, ao simples premir de botões que deflagrassem o poder de terríveis<br />
máquinas de destruição.<br />
Na aproximação entre Alegria breve e o nouveau roman ainda se poderia invocar<br />
possíveis relações deste romance vergiliano com o cinema. Como se sabe, a experiência<br />
romanesca francesa guardou uma relação muito forte com a cinematografia, com alguns<br />
cineastas escrevendo narrativas ou preparando eles mesmos os roteiros dos seus filmes,<br />
alguns escritores fazendo a um tempo literatura e cinema, e alguns outros simplesmente<br />
tendo romances adaptados à linguagem cinematográfica. Alain Resnais, Marguerite Duras,<br />
Michel Butor, Nathalie Sarraute, Robbe-Grillet, Claude Simon são nomes que podem ser<br />
invocados para exemplificação. A técnica narrativa de Alegria breve parece ter claramente<br />
algo de cinematográfico, e isso, claro, independentemente da referência que o texto do roa<br />
certa altura faz à técnica do cinema, ou mais exatamente aos seus mance<br />
“truques”:<br />
Luis Barreto, de smoking, tem o copo de uísque na mão. [...]. Está sentado no extremo<br />
do sofá vermelho, [...]. Subitamente, não o vejo. Subitamente, o seu lugar está vazio, ou<br />
senta-se aí Ema, Vanda, mesmo o Padre Marques. Como num truque cinematográfico,<br />
saltam à minha frente, desaparecendo, revezando-se. Há uma conversa múltipla que pastrazer-me<br />
um livro e me falou do Carmo e da galeria 2. Há uma conversa múltipla e<br />
sa de uns para os outros, que passa mesmo pelo sujeito de bigode que veio a minha casa<br />
qualquer coisa indivisível que a atravessa em ziguezague e é a minha voz. (AB, p. 92, i-<br />
tálico meu).<br />
Mas não se limitam a esta sugestão de “truques” as possíveis relações de Alegria<br />
breve com a narrativa cinematográfica, sendo importante atentar para a valorização das<br />
imagens no texto do romance, e nelas um certo toque expressionista, as grandes