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quando é vista por Jaime, num presépio, com um menino e ao lado de um São José que usa<br />
o aparelho auditivo de Luís Barreto, quer ainda quando Jaime, não conseguindo ouvir Os<br />
quatro elementos no interior da capela, quebra os discos que contêm a música. À pergunta<br />
obsessiva de Jaime “o que é que isto quer dizer”, poder-se-ia talvez responder que significa<br />
um rito de iniciação do homem à dimensão de uma divindade ausente que se confunde com<br />
a sua própria humanidade. E quanto à cena da música na capela, significaria a morte da<br />
Arte, que, afinal, não resiste à falência generalizada de todos os mitos e deserda o homem<br />
de uma de suas últimas esperanças de Absoluto.<br />
O poema de Eliot tem ainda títulos como “O sermão do fogo” (terceira parte) e<br />
“Morte por água” (quarta parte) que facilmente se associam à música constantemente ou-<br />
ou lembrada por Jaime: Os quatro elementos. Os caminhos da literatura também são<br />
vida<br />
muitas vezes insondáveis e profundamente estranhos os encontros que neles podem acon-<br />
Não só em aspectos temático-filosóficos se encontram reverberações de anteriores<br />
tecer.<br />
romances do escritor, mas também em recorrências estruturais, além das simbólicas. Por<br />
exemplo, a recorrência à música implica um dado estrutural já conhecido desde outros ro-<br />
– como Mudança ou sobretudo como Aparição –, porque uma estrutura musical<br />
mances<br />
parece presidir ao “formato” do romance, e Alegria breve, tal como já se notara em Apari-<br />
na verdade inicia-se por uma espécie de “abertura”, de acentos trágicos, nitidamente<br />
ção,<br />
trágicos, pesadamente soturnos, como uma sinfonia patética. Uma sinfonia ou uma sonata,<br />
em cuja abertura se encontrassem preludiados os principais temas a desenvolver ao longo<br />
da exposição que se seguisse. Na verdade, o primeiro capítulo de Alegria breve não faz<br />
mais do que preludiar os grandes temas e motivos da diegese. Esta, a rigor, só se inicia no<br />
segundo capítulo. Típica da música erudita – das sinfonias, concertos e sonatas – a estrutura<br />
circular é uma recorrência inarredável em Vergílio Ferreira. Aparição é porventura o<br />
romance onde isso é mais visível, com o seu prólogo e o seu epílogo “emoldurando” os<br />
vinte e cinco capítulos da narração, mas essa obsessão estrutural vem de muito longe, e<br />
mesmo em Mudança já se percebe um prólogo ou “abertura” musical de tons dramáticos.<br />
O primeiro capítulo de Alegria breve tem a mesma função do prólogo de Aparição: a de<br />
introduzir – como numa obra musical – o “tom” da narrativa e os seus principais temas e<br />
motivos. A música, em Vergílio Ferreira, não é apenas um tema ou um símbolo, é também<br />
uma forma estruturante.