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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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quando é vista por Jaime, num presépio, com um menino e ao lado de um São José que usa<br />

o aparelho auditivo de Luís Barreto, quer ainda quando Jaime, não conseguindo ouvir Os<br />

quatro elementos no interior da capela, quebra os discos que contêm a música. À pergunta<br />

obsessiva de Jaime “o que é que isto quer dizer”, poder-se-ia talvez responder que significa<br />

um rito de iniciação do homem à dimensão de uma divindade ausente que se confunde com<br />

a sua própria humanidade. E quanto à cena da música na capela, significaria a morte da<br />

Arte, que, afinal, não resiste à falência generalizada de todos os mitos e deserda o homem<br />

de uma de suas últimas esperanças de Absoluto.<br />

O poema de Eliot tem ainda títulos como “O sermão do fogo” (terceira parte) e<br />

“Morte por água” (quarta parte) que facilmente se associam à música constantemente ou-<br />

ou lembrada por Jaime: Os quatro elementos. Os caminhos da literatura também são<br />

vida<br />

muitas vezes insondáveis e profundamente estranhos os encontros que neles podem acon-<br />

Não só em aspectos temático-filosóficos se encontram reverberações de anteriores<br />

tecer.<br />

romances do escritor, mas também em recorrências estruturais, além das simbólicas. Por<br />

exemplo, a recorrência à música implica um dado estrutural já conhecido desde outros ro-<br />

– como Mudança ou sobretudo como Aparição –, porque uma estrutura musical<br />

mances<br />

parece presidir ao “formato” do romance, e Alegria breve, tal como já se notara em Apari-<br />

na verdade inicia-se por uma espécie de “abertura”, de acentos trágicos, nitidamente<br />

ção,<br />

trágicos, pesadamente soturnos, como uma sinfonia patética. Uma sinfonia ou uma sonata,<br />

em cuja abertura se encontrassem preludiados os principais temas a desenvolver ao longo<br />

da exposição que se seguisse. Na verdade, o primeiro capítulo de Alegria breve não faz<br />

mais do que preludiar os grandes temas e motivos da diegese. Esta, a rigor, só se inicia no<br />

segundo capítulo. Típica da música erudita – das sinfonias, concertos e sonatas – a estrutura<br />

circular é uma recorrência inarredável em Vergílio Ferreira. Aparição é porventura o<br />

romance onde isso é mais visível, com o seu prólogo e o seu epílogo “emoldurando” os<br />

vinte e cinco capítulos da narração, mas essa obsessão estrutural vem de muito longe, e<br />

mesmo em Mudança já se percebe um prólogo ou “abertura” musical de tons dramáticos.<br />

O primeiro capítulo de Alegria breve tem a mesma função do prólogo de Aparição: a de<br />

introduzir – como numa obra musical – o “tom” da narrativa e os seus principais temas e<br />

motivos. A música, em Vergílio Ferreira, não é apenas um tema ou um símbolo, é também<br />

uma forma estruturante.

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