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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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146<br />

Nelly Novaes Coelho, o lado mais primitivo e animal do ser humano 40 . A música, tratada<br />

sempre como a mais transcendente das artes, simboliza uma universal linguagem do ho-<br />

capaz de falar à terra e ao céu, de dizer o indizível falando à essencialidade do misté-<br />

mem,<br />

rio, de acordar a memória ou sublimar a epifania das aparições. Os astros são sempre o<br />

sinal de uma grande Ordem construída em perfeição, pontos de orientação para o traçado<br />

de rumos de viagens ou existências, como a estrela polar, sempre observados mas inalcançáveis<br />

pelo homem à distância infinita em que brilham e na ordem e na perfeição em que<br />

se movem. Os astros também simbolizam a terrível, esmagadora e assombrosa infinitude<br />

do universo, diante do horror que é a angustiante finitude do homem, da sua brevíssima<br />

passagem pelo cosmos, da alegria breve que é a de ter nascido para viver uma existência<br />

fugaz e com a consciência disso.<br />

Mas estes significados, embora permanentes, ampliam-se no desdobramento da<br />

obra de Vergílio Ferreira. Analisando as dimensões simbólicas do canto e da música como<br />

elementos constantes nos romances de Vergílio a partir da pergunta de Jaime – o que querem<br />

dizer as estrelas, os uivos e a música, vistas e ouvidos por ele numa “noite sem lua,<br />

plácida e nítida”? –, Helder Godinho, à luz dos estudos de Gilbert Durand sobre o imaginário<br />

e valendo-se da terminologia respectiva, depois de refazer todo o percurso romanesco<br />

vergiliano, desde O caminho fica longe até Rápida, a sombra, assegura que as estrelas “designam<br />

a Presença ausente; a música mediatiza o seu encontro” [...]; os cães ligam-se “ao<br />

Passado, que é preciso anular”. Concluindo a interpretação, Godinho escreve:<br />

uma primeira leitura da interrogação citada permite-nos concluir que a relação com a<br />

Presença, conseguida pelas estrelas e pela música está “impura” do Passado – e sabemos<br />

como a relação com esse tipo de Presença conduz, no limite, à morte. Donde que, mais<br />

adiante, se diga: “Um dia os cães desaparecerão de todo. Um dia a música será pura”<br />

(p. 94; o itálico é meu) .<br />

41<br />

Anteriormente, havia assim definido a Presença: “[...] o que a arquipersonagem procura é a<br />

Presença que permita o encontro para lá das hipóstases que se desgastam e obrigam à prisão<br />

no Mesmo, esse lugar para além da visibilidade do céu [...] seria o lugar da Presença<br />

40 Cf. COELHO, Nelly Novaes. Vergílio Ferreira: ficcionista da condição humana. In:_____ . Escritores<br />

portugueses. São Paulo: Quíron, 1973, p. 229 e 245-246.<br />

41 GODINHO, Helder. O universo imaginário de Vergílio Ferreira. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação<br />

Científica, 1985, p. 223.

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