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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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cos mais importantes da obra. Fatalmente a relação a ser feita, de imediato, envolve Nietzsche<br />

e Dostoievski. O tema da morte de Deus é comum a estes dois, mas a eloqüência<br />

da voz que anuncia o filho ou repete obsessivamente a certeza da sua vinda, e a decisão de<br />

esperar por ele e só depois do seu regresso pôr fim à existência... a eloqüência dessa voz<br />

clamando solitária na montanha pela vinda do Homem Novo, não pode deixar de lembrar<br />

um discurso à Zaratustra. Mas, contraditoriamente ou não, há, noutro extremo, ressonâncias<br />

bíblicas e não só em topoi como o do regresso do Filho à Casa do Pai, ou o da mulher<br />

que engravida quando a idade que tem já não o permitiria, ou o da gestação de um filho<br />

sem a participação masculina... Há também ressonâncias bíblicas ao nível da escrita, em<br />

aspectos estilísticos que fazem ressoar o tom versicular e parabólico, repetitivo e solene:<br />

Possivelmente o meu filho virá um dia. Possivelmente um dia saberá que é meu filho. E<br />

pensará: “vou ter com ele, vou recomeçar a vida desde o princípio”. (AB, p. 22).<br />

E o meu filho pode vir um dia: que iria ele dizer? Ele é daqui também, desta serra, destas<br />

pedras, desta terra difícil. (p. 23).<br />

Vou escrever ao meu filho – ó Deus, e a neve que não pára. Vou escrever-lhe: vem! E<br />

ele chegará um dia inesperadamente, bater-me-á à porta. E eu dir-lhe-ei: entra em tua<br />

casa, tu és daqui. Depois levá-lo-ei a tomar posse da terra, mostrar-lhe-ei as oliveiras, os<br />

campos incultos, o horizonte. Ele cerrará os olhos, invadido da imensidade, tocará com<br />

as mãos o chão da sua origem. Conhecerá os dias e as noites, as manhãs de sol, as tempestades,<br />

a memória – não a memória, para quê? Interrogará a montanha e ficará calmo.<br />

Dir-lhe-ei ainda:<br />

– Começa. Não tragas nada contigo. Começa. (p. 30).<br />

Mas quantas vezes esta solenidade resulta agredida de grotesco, tal como nestas<br />

passagens, em que Luís Barreto assiste a uma relação erótica entre Jaime e Vanda, estimulando-a,<br />

ou figura estar presente a ela, no delírio que a simula:<br />

– Continuai, meus filhos. [...].<br />

– Fornicai na treva e na aflição! (p. 145-146)<br />

[...].<br />

– Fornicai na treva e na maldição!<br />

– Continuai meus filhos! (p. 148).<br />

A linguagem versicular própria dos textos bíblicos é referida no próprio texto do<br />

romance, numa observação de Jaime sobre o modo de falar do Padre Marques, que “dizia

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