21.05.2014 Views

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

139<br />

É esta aldeia isolada do mundo, ao qual estava ligada apenas “por uma espécie de<br />

ponte”, que está destinada à degradação e à morte. Ela e tudo o que lá está. O cenário tem<br />

alguma coisa de Castelo (Kafka) ou de Deserto dos tártaros (Dino Buzzatti) e a espera de<br />

Jaime Faria por seu filho e a sua angústia de comunicação/comunhão com o outro (conti-<br />

nucleares de Estrela polar) e da nominação ou inominação das coi-<br />

nuando um dos temas<br />

sas, algo que reverbera sobre o Beckett de Godot ou do Inominável... Nada que minimize a<br />

obra do romancista português, pelo contrário, porque a coloca, se procedentes as aproxi-<br />

de “parentesco” com as grandes obras do questionamento humano<br />

mações, em situação<br />

face ao Homem e à Transcendência. É aí que se inscreve toda a criação literária e reflexão<br />

ensaístico-filosófica de Vergílio Ferreira. Nessa aldeia isolada do mundo, Jaime Faria, ab-<br />

sozinho, relembra, escreve e espera. É evidente que a aldeia é a representação<br />

solutamente<br />

simbólica de um mundo que acabou e de onde todos já se foram ou morreram, à exceção<br />

de Jaime, que não queria ir ver outro horizonte; que por mais que diga que necessita ir à<br />

vila para tratar de coisas práticas, jamais lá vai; e que não se foi embora da aldeia como<br />

todos os outros homens válidos, porque era de lá e “alguém teria de ficar” (AB, p. 64) –<br />

“Sou da terra, daqui, alimentei-me do seu húmus, como uma planta morrerei quando a terra<br />

mo negar.” (p. 60). Jaime Faria escreve, sozinho e enquanto espera, mas não o faz apenas<br />

para ser o cronista de um mundo morto, para dar testemunho de um tempo e de um mundo<br />

que passaram e que ao passado pertencerão quando vier o futuro. Escreve, embora não o<br />

saiba – “escreverei para esquecer? Como quem confessa uma culpa? Para lembrar ainda,<br />

para ser tudo ainda fora do tempo e da morte? Há-de haver uma razão.” (AB, p. 33) – escreve<br />

para dar testemunho ao futuro de um tempo e de um mundo que passaram, mas como<br />

um “profeta” desse tempo, o “evangelista” de um Evangelho vazio, que pretende encher<br />

com a esperança da vinda de um Homem Novo. O Filho – a quem ele vai dizer a “palavra<br />

nova que lhe queima a boca” e que ele transmitirá aos que vierem depois (p. 119) –, que<br />

deverá chegar de algum lugar onde se encontra e que Jaime não sabe qual seja. O Filho,<br />

esse Messias fundador de um tempo e de um mundo novos, que virá para tomar posse da<br />

Casa e da Terra: “Terei de ter tudo pronto quando o meu filho vier. A terra, a casa, as duas<br />

palavras que hei-de transmitir-lhe, a mão pura para lhe sagrar a fronte. / – Eis o que te deixo<br />

– direi. – É agora a tua vez.” (AB, p. 102).<br />

As conotações religiosas do romance são evidentes, mesmo que sejam para negar as<br />

religiões declarando a sua morte tal como a de todos os grandes mitos, e é evidente que<br />

essa problemática religiosa (morte de Deus, morte das religiões) está entre os veios temáti-

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!