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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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do meio ambiente<br />

com a “tecnificação” da aldeia, a decadência dessa economia fundada<br />

em bases circunstanciais ou transitórias, o abandono da aldeia pelos empreendedores dessa<br />

economia e pelos naturais da terra que ficaram sem trabalho, a emigração daqueles que<br />

possuíam condições p ara trabalhar, a desertificação da terra (em termos ecológicos e humanos)...<br />

São ite ns de referência que podem ser encontrados no romance social (e não só<br />

português) das décadas de 40 e 50 do século passado. Eles não são estranhos ao romance<br />

de Vergílio Ferreir a – embora neles não tenham ocupado nunca o lugar do privilégio –, e<br />

alguns podem ser encontrados em Mudança, em Manhã submersa e mesmo em Aparição e<br />

Estrela polar. Mas nestes últimos – sobretudo em Estrela polar e em Alegria breve – estas<br />

referências sócio-econômicas, que poderiam aceitar uma “leitura” político-ideológica, ultrapassam<br />

este nível de realidade para ascender à condição de símbolos, ou, mais do que de<br />

símbolos, de alegorias.<br />

Assim, a imagem da aldeia – uma aldeia sem nome –, já morta, muito mais do que<br />

decrépita, em que as casas vazias de habitantes exibem com eloqüência ou quase obscenamente<br />

as marcas da decrepitude e da sua ruína, é na verdade a simbolização de um mundo<br />

morto e em que tudo está morto ou agoniza. Jaime Faria é o último sobrevivente desse<br />

mundo sem vida, um mundo espectral situado numa montanha e cercado de montanhas,<br />

rodeado por uma paisagem lunar, branca, asséptica, gélida das neves do inverno que não<br />

cessa, quase sem pontos de referência a não ser os dois picos, constantemente referidos na<br />

diegese, que culminam a montanha e sobre um dos quais está a capela de S. Silvestre. Esser<br />

reais mas transfiguradas pelo processo de des-<br />

tas referências topográficas tanto podem<br />

realização – tal como a Penalva de Estrela polar –, como podem simplesmente ser do puro<br />

domínio do imaginário e pertencentes ao exclusivo universo do símbolo. E pouco ou nada<br />

importa se essas referências espaciais efetivamente existem em algum lugar do concreto<br />

território vergiliano, porque a sua significação é essencialmente simbólica e é nesse domí-<br />

tem de ser feita.<br />

nio que a sua leitura<br />

Os dois picos – também freqüentemente chamados de serros – sugerem dois dedos<br />

paralelos, ou duas torres, apontadas para o céu. Sobre um deles está uma capela, o outro<br />

encontra-se vazio. A capela de S. Silvestre, local de peregrinação, reveste esse pico com o<br />

manto do sagrado, e era lá que iam as pessoas da aldeia, em cumprimento de votos, para<br />

agradecer por graças alcançadas, pedir proteção ao divino ou simplesmente pelo passeio,<br />

acompanhando os da crença. O outro monte é inóspito, como todo o resto da paisagem ao<br />

redor e não há referências a que alguém lá costumasse ir. Chamam-lhe o monte d’El Rei.

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