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Alegria breve, tal como outros romances do autor, permite pelo menos dois registros<br />
de leitura: o de uma leitura realista e o de uma leitura simbólico-alegórica ou fenome-<br />
Mas é fundamental ter em conta que Vergílio Ferreira deixara de ser um escritor<br />
nológica.<br />
“realista” desde Mudança, a partir de onde se insinua e estabelece, na sua obra, um extrato<br />
filosófico cada vez mais definido. Assim, a leitura realista é a que menos importa (e ela é<br />
praticamente impossível, como se viu, em Estrela polar) e é por isso que as dimensões<br />
simbólico-alegóricas abrangentes do espaço, do tempo, das personagens e da própria ação<br />
– quando ela seja possível de delinear –, se impõem sobre (e até contra) qualquer hipótese<br />
de realismo e se situam como estratégia operacional do filosófico. Mas isto é também parte<br />
de um processo que já se conhecia desde Aparição e que predominou sobre todos os demais<br />
aspectos em Estrela polar: o processo de desrealização do real. Ele também está pre-<br />
Este romance, da perspectiva de uma leitura realista, poderia ser<br />
sente em Alegria breve.<br />
fabularmente sintetizado assim: Alegria breve narra a história do<br />
repentino desenvolvimento e não menos súbita decadência de uma aldeia, assaltada durante<br />
os anos da guerra pela febre do volfrâmio, cuja existência justifica a instalação de<br />
uma indústria de extração e beneficiamento do minério para fins da indústria bélica.<br />
Terminada a guerra, a inutilidade do minério leva ao fechamento da fábrica e a aldeia<br />
regressa à sua vida primitiva, abalada, entretanto, por uma maciça emigração que a vai<br />
deixando deserta. Todos se vão, exceto alguns velhos que aguardam apenas o término<br />
das suas existências. Este desmoronamento é assistido por Jaime Faria, último habitante<br />
da aldeia, único sobrevivente, transformado, a certa altura, de professor em coveiro,<br />
porque já não tinha alunos na escola, mas havia, vez por outra, um morto para enterrar.<br />
Mergulhado na mais completa solidão, cercado por uma paisagem recoberta pela brancura<br />
da neve e defronte aos dois picos do cume da montanha, Jaime aguarda o regresso<br />
do filho que não conhece, mas que em algum lugar nasceu das suas relações com Vanda,<br />
e, enquanto espera, escreve, conforme lhe dita a memória, sem um objetivo definido,<br />
mas talvez para deixar ao filho o testemunho dos acontecimentos a que assistiu e de que<br />
participou, e, principalmente, o registro das experiências fundamentais da sua vida. 38<br />
Pode-se observar que nesta síntese do romance estão presentes diversas referências<br />
“realistas”: o valor econômico do volfrâmio, a guerra e uma indústria que passa a funciode<br />
trabalho que isso representa, a euforia<br />
nar em razão dela, a força e as oportunidades<br />
trazida à aldeia por um súbito desenvolvimento econômico, a transformação da sociedade e<br />
38 Cf. o meu livro O espaço-limite no romance de Vergílio Ferreira, p. 183-184.