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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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136<br />

Alegria breve, tal como outros romances do autor, permite pelo menos dois registros<br />

de leitura: o de uma leitura realista e o de uma leitura simbólico-alegórica ou fenome-<br />

Mas é fundamental ter em conta que Vergílio Ferreira deixara de ser um escritor<br />

nológica.<br />

“realista” desde Mudança, a partir de onde se insinua e estabelece, na sua obra, um extrato<br />

filosófico cada vez mais definido. Assim, a leitura realista é a que menos importa (e ela é<br />

praticamente impossível, como se viu, em Estrela polar) e é por isso que as dimensões<br />

simbólico-alegóricas abrangentes do espaço, do tempo, das personagens e da própria ação<br />

– quando ela seja possível de delinear –, se impõem sobre (e até contra) qualquer hipótese<br />

de realismo e se situam como estratégia operacional do filosófico. Mas isto é também parte<br />

de um processo que já se conhecia desde Aparição e que predominou sobre todos os demais<br />

aspectos em Estrela polar: o processo de desrealização do real. Ele também está pre-<br />

Este romance, da perspectiva de uma leitura realista, poderia ser<br />

sente em Alegria breve.<br />

fabularmente sintetizado assim: Alegria breve narra a história do<br />

repentino desenvolvimento e não menos súbita decadência de uma aldeia, assaltada durante<br />

os anos da guerra pela febre do volfrâmio, cuja existência justifica a instalação de<br />

uma indústria de extração e beneficiamento do minério para fins da indústria bélica.<br />

Terminada a guerra, a inutilidade do minério leva ao fechamento da fábrica e a aldeia<br />

regressa à sua vida primitiva, abalada, entretanto, por uma maciça emigração que a vai<br />

deixando deserta. Todos se vão, exceto alguns velhos que aguardam apenas o término<br />

das suas existências. Este desmoronamento é assistido por Jaime Faria, último habitante<br />

da aldeia, único sobrevivente, transformado, a certa altura, de professor em coveiro,<br />

porque já não tinha alunos na escola, mas havia, vez por outra, um morto para enterrar.<br />

Mergulhado na mais completa solidão, cercado por uma paisagem recoberta pela brancura<br />

da neve e defronte aos dois picos do cume da montanha, Jaime aguarda o regresso<br />

do filho que não conhece, mas que em algum lugar nasceu das suas relações com Vanda,<br />

e, enquanto espera, escreve, conforme lhe dita a memória, sem um objetivo definido,<br />

mas talvez para deixar ao filho o testemunho dos acontecimentos a que assistiu e de que<br />

participou, e, principalmente, o registro das experiências fundamentais da sua vida. 38<br />

Pode-se observar que nesta síntese do romance estão presentes diversas referências<br />

“realistas”: o valor econômico do volfrâmio, a guerra e uma indústria que passa a funciode<br />

trabalho que isso representa, a euforia<br />

nar em razão dela, a força e as oportunidades<br />

trazida à aldeia por um súbito desenvolvimento econômico, a transformação da sociedade e<br />

38 Cf. o meu livro O espaço-limite no romance de Vergílio Ferreira, p. 183-184.

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