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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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rocha, penhasco, e esta parece ser a topografia de Penalva –, “cidade escura, negra de inverno<br />

e velhice [...], espectral, com uma memória desolada de grandes ventos siderais, de<br />

olhos vagos de sombra, de frios e solidão desde o anúncio das eras” (EP, p. 14) – esta cidade<br />

labiríntica e fantasmática, construída no alto de um monte ou à beira de um penhasco,<br />

“cidade fechada”, com o vazio a dez passos (p. 277) – é uma cidade fria, batida de inverno,<br />

de ventos siderais e freqüentemente recoberta pela neve. Por isso é também alva, ao menos<br />

quando a neve a cobre, embora o narrador a veja “negra de inverno”. Cidade branca (alva)<br />

sob a neve que a visite. Ou alva no sentido do desejado romper de um primeiro alvor da<br />

manhã, uma aurora que o peso espesso da noite não permite surgir. Ou alva, ainda, como<br />

pista toponímica, tentação telúrica a que o escritor tenha sucumbido para oferecer um indício<br />

localizador, um “norte”, referência num mapa, tênue cintilação de uma estrela polar<br />

que indicasse o trajeto deste rio da Serra da Estrela. Penalva: Pena (ou Penha) do Alva, ou<br />

sobre o Alva. Mas Penalva, a cidade do sofrimento e da expiação, fria, negra de velhice,<br />

alcandorada à beira de um penhasco, branca sob a neve das invernias que também é a<br />

brancura de um horizonte cerrado e inacessível aos olhos é também o lugar que “guarda”<br />

os destinos dos que ali estão, ou simplesmente passaram ou lá são referidos. Penalva quase<br />

contém, no sufixo da palavra que a designa, os nomes (ou pelo menos suas reverberações<br />

sonoras) dos actantes espectrais de uma aventura inquietante. Em alva reverberam os nomes<br />

de Alda, Aida, Alma, Aura, Adalberto... A cidade os contém, os retém, ali estão todos<br />

presos, dentro do seu labirinto. Presos e submetidos, desde os nomes, à indefinição de<br />

quem são.<br />

Uma outra personagem que, apesar de secundária na economia do romance, chama<br />

a atenção pelo nome, pelo discurso e pelo comportamento, é Jeremias. Nome de profeta, o<br />

“profeta das lamentações”, Jeremias é, no romance, a caricatura dramática da figura bíblica.<br />

“Um ‘tipo’. Tinha a máscara de Jeová – barbas brancas, cabelos de tempestade.” (EP,<br />

p. 56). Pobre, quase miseravelmente, vive e sustenta a família (mulher e filha) do que lhe<br />

rende a estalagem de comida grosseira e aguardente. Embebeda-se. Ri-se e chora. Enfurece-se<br />

e emociona-se. Espanca freqüentemente a mulher “porque se sente muito só” (p. 57)<br />

e a todos chama de “meu irmão”. Mas toda a sua fúria de grosseria e violência desmorona<br />

e arrasta-o no desmoronamento quando a filha, ainda criança, adoece gravemente.

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