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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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130<br />

Penalva é também uma palavra carregada de sentido (ou de sentidos). Pode ser assim<br />

decomposta: Pena + alva. À luz do dicionário pena (s. f.) significa “punição, castigo<br />

imposto por lei a algum crime, delito ou contravenção”, e também “lástima, dó compaixão”<br />

33 . Enquanto flexão do verbo penar, é o mesmo que suportar sofrimento, padecimento,<br />

castigo. Neste sentido, é interessante lembrar que Penalva é o lugar do sofrimento de Adalberto.<br />

É o lugar da sua desorientação, lugar que o seu desvario transforma em labirinto em<br />

que qualquer orientação se torna impossível, dédalo escuro de onde não se vê o halo luminoso<br />

de uma estrela polar que oriente para a esperança de uma saída. É em Penalva que<br />

Adalberto perderá os seus pais e o seu filho e é lá que vai ser recolhido à cadeia, condenado<br />

pela morte da mulher a uma pena de vinte anos. Pena pode ainda significar um primitivo<br />

instrumento de escrita, e seria como quê a metáfora de uma atitude, porque é em Penalva<br />

que Adalberto escreverá a sua narrativa, a aventura do seu existir, a “memória” que vem<br />

a ser o próprio texto de Estrela polar 34 . Mas a mesma palavra significa também penha,<br />

nha... Quem sou? Quem fui? Que súbita e imprevisível unidade me esperava em cada nome? (ibid.,<br />

p. 21-22).<br />

E quanto ao pai, relembra, lamentando:<br />

[...] eras o “ Ernestinho”. E esta verdade degradante do teu nome, esta flagrante impossibilidade de<br />

seres Ernesto, Sr. Ernesto, esta moleza infantil que o povo te sustentou até à velhice, este nome que<br />

tem atrás um sorriso para crianças, esta debilidade total [...] (ibid. p. 22).<br />

A mesma reação contra a alcunha que substitui o nome se encontra em Aparição, na cena da reunião famique<br />

o velho médico-agricultor Álvaro, pai de Alberto, dirige-se à mulher, Susana, pelo<br />

liar, pelo Natal, em<br />

epíteto de Suse, provocando nela a imediata reação: “Não me chames Suse.” Na seqüência, Alberto reflete:<br />

Não sei que pacto se estabelece entre a pessoa que somos e o nome que nos deram: o nome, como o<br />

corpo, é nós também. Não imagino com outro nome nem o Tomás, nem o Evaristo, nem o Álvaro,<br />

nem o Alberto. O Álvaro é o meu pai e o Alberto sou eu. Não sei se era por isso que a minha mãe<br />

não gostou nunca de que meu pai a chamasse Suse. Mas o meu pai teimava sempre, talvez por isso<br />

também: para criar para si isso que era ela, para a moldar nisso ao seu poder – no nome. (Ap, p. 20-<br />

21).<br />

33 Lello Universal: dicionário enciclopédico luso-brasileiro. Porto: Lello, 1979, v.2, p. 502.<br />

34 Revelando-se por várias vezes ao longo da diegese em “atitude de escrita”, o narrador, a certa altura escre-<br />

ve:<br />

Talvez se eu pusesse um outro título a esta história. Por exemplo “O Traidor”. Ou “O Criminoso”.<br />

Duas palavras breves negando e moralizando os milhares de palavras em que me comprazi. Chamolhe<br />

apenas “Estrela Polar”, porque sou mais corajoso ou o desejo parecer. Luz breve, que existas,<br />

onde? fugidio indício que me anuncie o meu lugar na vida... (EP, p. 269).<br />

Este fragmento revela não só o caráter metanarrativo desta obra ficcional, mas o seu evidente parentesco<br />

temático e estrutural com Aparição, sendo os protagonistas de ambos os romances classificáveis, a um<br />

tempo, como personagens-narradores-“autores”, porque representados como personagens que protagonizam<br />

a ação da qual assumem, em primeira pessoa, a voz que narra, e, mais do que isso, “escrevem” a ação<br />

que narram, sendo a “sua escrita” o próprio texto de cada um destes romances.

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