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berto a não matou diretamente, contribuiu para a sua morte. “‘Tivesse ou não morrido do<br />
coração, o senhor era um criminoso’.” (EP, p. 276). Condenado a vinte anos de prisão, no<br />
espaço restrito da cela que lhe coube ainda mais se amplia a solidão que tem por destino e<br />
a impossibilidade de comunicação com o mundo. O labirinto de Penalva restringiu-se para<br />
ele ao labirinto da memória que ele tenta inutilmente reconstituir, recolhido à estreiteza da<br />
cela de onde escreve a evocação da sua passagem pela vida, por uma vida que o rejeitou<br />
“como o mar a um cadáver.” (EP, p. 276).<br />
Mas voltemos à questão dos nomes. Aida e Alda são nomes muito semelhantes. A<br />
sutil diferença está na mudança de uma letra. “Mas uma letra não se mudava assim”, e mudá-la<br />
não mudava a identidade de quem fez a mudança, porque não mudava a essência da<br />
pessoa. Aida e Alda possuem a mesma sonoridade aberta sugestiva de amplidão que se<br />
encontra em Alberto e Adalberto, como também em Penalva. Alberto e Adalberto permitem<br />
o uso de alcunhas comuns: Berto e Beto. Mas a quantos outros nomes é possível aplicar<br />
estas redutoras e massificantes alcunhas? Em princípio Berto ou Beto pode ser uma<br />
legião e, exatamente por isso pode não ser ou significar ninguém. Por isso Adalberto não<br />
tolera que o chamem de “Berto” (p. 274), como não tolerava que na infância o chamassem<br />
de “Bertinho” e lamenta que a seu pai chamassem, mesmo quando já adulto e já velho, de<br />
“Ernestinho” 32 .<br />
Em quê, porém, não é o outro? E eis que se levanta agora flagrante essa coisa obscura que determina<br />
o ‘tu’ de alguém. Não é nada. E é tudo. Porque toda a sua pessoa está naquilo que a diz – e no entanto<br />
não está. Toda a sua pessoa se revela no que vem à superfície ou aí se anuncia, e no entanto alguma<br />
coisa ficou ainda atrás, indizível e inacessível, fugidia e flagrante – início puro e categórico,<br />
intocável e nula realidade, e fulgurante e categórica realidade. Está aí e não se vê, assinala uma irredutibilidade<br />
e todavia personifica-se em tudo o que a manifesta. É cognoscível e furta-se, é inegável<br />
e não podemos apreendê-la. (IMC, p. 78-79, itálicos da citação).<br />
32 O nome é, para V. F., um elemento muito importante na definição da identidade profunda, embora não o<br />
único e nem mesmo o essencial. Assim Adalberto surpreende-se positivamente quando, ao início da sua<br />
história, chegando à estação ferroviária de Penalva é saudado por alguém que menciona o seu nome: “–<br />
Bom dia, Sr. Adalberto.” O que lhe motiva esta divagação:<br />
Conheces-me, pois, bom homem. Conheces-me pelo nome impessoal da lei (ou pelo que há de mais<br />
impessoal em mim?) Um nome exprime-nos como uma senha. Um nome. E imprevistamente alguma<br />
coisa de mim aí se estabelece e é eu desde onde? Porque o meu “eu” verdadeiro, a minha fulguração<br />
não tem nome... (EP, p. 13).<br />
Mas porque o nome é a expressão da pessoa, “como uma senha”, nunca lhe agradou ser tratado pelas diversas<br />
alcunhas com que, desde a infância, o quiseram designar, sobretudo a mãe:<br />
– Já estudaste, Betinho?<br />
Que escárnio de doçura, de flagrância inverossímil de um jardim com borboletas – ó infância<br />
estúpida numa maioridade que te não esquece. Minha mãe não o esqueceu nunca: mas como seres<br />
tu mãe de um homem? Sou Adalberto, mulher. Hoje, aqui na inexorável certeza de uma ficha de<br />
catálogo. Porque eu não fui apenas Adalberto: fui também Alberto ou Berto, Beto, Betinho, Beti-