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tro”, como ocorre nos momentos em que confunde Aida e Alda. Ocorrem tanto no plano<br />
interior de Adalberto quanto na exterioridade de si, pelas ruas, praças e desvãos sombrios<br />
da cidade. Mas o delírio da procura impulsiona-o sempre, transformando perseverança em<br />
obsessão. E é a ausência do encontro, móvel da sua constante procura e portanto do seu<br />
constante movimento, que atira Adalberto para o centro de um turbilhão, em rodopio, girando<br />
em círculos pelo labirinto, como num castigo eterno. Este aspecto enseja ainda uma<br />
outra referência ao texto de Gavilanes Laso:<br />
Tudo acontece como se o problema fluísse desde sempre, até a um ponto tal<br />
que, fosse qual fosse o mundo de relações do narrador, este continuaria a deambular incessantemente<br />
sem nunca encontrar o que busca, perseguindo sem êxito o encontro com<br />
o “outro”.<br />
O espaço urbano transmuta-se assim, simbolicamente, num painel de significações<br />
espirituais de irredutível solidão ontológica. O narrador-protagonista vagueia errante<br />
e desorientado, sem uma estrela polar que o guie pelo labirinto de Penalva, cidade<br />
deserta na qual o “outro” resiste sempre ao encontro do “eu”. Um sentimento de perda<br />
parece presidir às ações de Adalberto por itinerários desolados em que não encontrado o<br />
“tu” que busca, a sua própria identidade se ressente. 29<br />
E assim se retorna à questão essencial do romance: a clarificação da identidade do<br />
ser, desde um “eu” que pretensamente se conhece, ao pretendido conhecimento de um “tu”,<br />
que é um “eu”, também, mas perspectivado de uma outra margem: “um ‘tu’ é um ‘eu’ que<br />
estamos vendo em alguém, um ‘eu’ fugitivo, inapreensível e todavia tão presente que nos<br />
perturba de inquietação.” (IMC, p. 76). Clarificação da identidade desde o nome, que a<br />
uma pessoa designa ou identifica até ao mais íntimo, subjetivo e abstrato de si, àquilo que<br />
transcende todas as dimensões, todos os limites e todas as características do seu corpo, que<br />
não se pode ver nem tocar, mas que se sente, que se percebe e que por isso se sabe que<br />
existe, que está lá 30 . Essa unicidade do ser humano tem início no nome que lhe é dado ao<br />
29 Idem, ibidem, p. 261.<br />
30 Fascinado por esse tema sutilissimamente abstrato que situa como questão fulcral de Estrela polar, V. F.<br />
volta a ele com freqüência, estendendo a sua reflexão sobre o problema ao ensaio e ao seu diário, como<br />
demonstram os fragmentos transcritos a seguir:<br />
Decerto, e como no “eu”, ou mais claramente que no “eu”, um “tu” é aquilo que o manifesta, porque<br />
é o tom da sua voz e o seu modo de ser e o seu rosto e o seu corpo e o seu riso ou choro e o seu o-<br />
lhar. Mas para além desse todo, há a pessoa que é esse todo, aquele ser vivo que o é, a individualidade<br />
que o resume e supera, aquele alguém que pelo simples nome que tem se sente ser essa pessoa,<br />
aquela indizível presença que se anuncia quando por exemplo a não vemos e sabemos que está lá<br />
dentro, lá fora, aquela obscura e fulgurante realidade que sobretudo se pressente quando nos fita,