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tudo se fecha – como num círculo – quando se busca uma saída. A irrealidade da cidade<br />
abriga (e está de acordo com) a irrealidade da história que nela se passa e que beira a irrealidade<br />
do delírio. A busca desesperada de Adalberto para alcançar a comunhão com o “outro”<br />
lança-o numa sombria aventura interior constituída de enganos, incertezas e desencontros.<br />
É uma procura por dentro de um labirinto. A imagem é perfeita para representar a<br />
desorientação de Adalberto e a sua sensação de confinamento. Esta sensação e desorientação<br />
interiores, projetando-se para o exterior transformam também em labirinto o espaço<br />
por onde ele se move na sua procura, sempre impulsionado pelo seu delírio, sempre caminhando<br />
“à deriva pelas ruas e praças desertas” (EP, p. 108):<br />
Mas quando regresso à rua, tudo se me confunde. Emílio saíra para um doente,<br />
despedi-me de Garcia à porta da baiúca – ele ia para casa. [...].<br />
Cruzo a massa do jardim, afogada em nevoeiro. [...]. Meto à estrada do Sanatório,<br />
paro no miradouro, junto ao busto não sei de quem, suspendo-me para o vale afundado<br />
na noite. [...]. Mas de súbito, como se para me furtar ao que me dissolvia na bruma,<br />
rompo pela ladeira que daí sobe ao Castelo [...]. Perto do alto, abrando a marcha e a noite<br />
cresce ainda à minha volta. Desço, enfim para o lado da Praça, a Rua do Castelo, soturna<br />
e estreita, bloqueada pela mole da Sé.<br />
E eis que, bruscamente, no fumo do nevoeiro, um vulto aparece, vindo da Rua da<br />
Torre. Acelero o passo: um volume de mulher cresce nos céus da névoa, oblíquo a horas<br />
dúbias, como a velha imagem da perdição. Ponho-me a seguir a mulher [...]. Sigo-a como<br />
quem só quer segui-la. (EP, p. 108-109).<br />
Rompo para o Sanatório pela cidade deserta. Mas não estava também. Procuro<br />
Emílio, e Emílio tinha ido a casa de Jeremias: [...]. Simplesmente Jeremias tinha ido a<br />
casa de Garcia, alarmado talvez com a demora do médico ou porque o médico já saíra e<br />
era necessário ainda voltar e lhe dissera ou lhe deixara entender que ia a casa do pintor.<br />
Mas Garcia também não estava e teria ido à Rua da Torre ver se Irene já chegara ou teria<br />
ido apenas a minha casa. Porque, quando regressei, disseram-me realmente que ele<br />
passara por lá e atravessara a Praça e descera a Rua Direita e fora talvez à Rua do Inverno<br />
a casa de Alda-Aida. (Ibid., p. 196).<br />
Parece não ter fim, esse perambular ao acaso de Adalberto pela cidade. Como não<br />
tem fim nem resultado a caminhada a que pretende dar a objetividade de um encontro.<br />
Porque será sempre no desencontro que cada possibilidade de encontro seu se frustra. Esses<br />
desencontros têm quase sempre o rosto do equívoco, do falso reconhecimento do “ou-