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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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O leitor de Estrela polar, ao terminar a leitura, tem a impressão de que Penalva é uma<br />

cidade espectral, localizada num espaço de penumbra: escura, sombria, morta, deserta...,<br />

perpetuamente esterilizada por um manto de neve, isolada no alto de uma montanha:<br />

“Abre-se-me nesta rua espectral, com uma memória desolada de<br />

grandes ventos siderais, de olhos vagos de sombra, de frios e solidão<br />

desde o anúncio das eras” (p. 14).<br />

Dir-se-ia que tudo existe nessa cidade fora do tempo, isolada no espírito do narrador. A<br />

palpitação humana mal se sente e a cidade parece envolvida numa rede de silêncio:<br />

“Penalva adormece a meus pés sob uma vaga enorme de silêncio,<br />

um olhar cerra-se de horizonte a horizonte” (p. 19);<br />

“A cidade regressara à sua solidão, deserta no silêncio da neve,<br />

longínqua, irreal” (p. 147). 28<br />

124<br />

Ora, isto já não se dá no romance seguinte. A representação espacial em Estrela polar<br />

é essencialmente alegórica. Penalva não corresponde, dizem os investigadores, “a nenhuma<br />

das Penalvas da geografia urbana portuguesa”<br />

26 , e há pelo menos duas cidades com<br />

esse nome em Portugal, Penalva de Alva e Penalva do Castelo. O espaço urbano deste ro-<br />

de Vergílio Ferreira seria a Guarda 27 , mas transfigurada por um processo de desrea-<br />

mance<br />

lização do real. À maneira de Kafka, como assinala Gavilanes Laso:<br />

A kafkiana desrealização de uma cidade real que é transformada na irreal Penalva,<br />

cidade soturna, fantasmagórica, gelada, morta, noturna e sobretudo labiríntica, tem a evidente<br />

função de abrigar, enquanto espaço romanesco ou enquanto representação da Cidade<br />

do Homem, os elementos também irreais, fantasmáticos, noturnos e labirínticos com os<br />

quais se vai tecer uma diegese cujos componentes serão igualmente assim diluídos e irre-<br />

ais. Uma diegese da desrealização do real, em que os seus elementos fundamentais se<br />

encontram diluídos, em que todas as informações e possíveis certezas estão em crise e sob<br />

suspeita e em que, por isso, tudo se desconstrói diante do esforço de construção, em que<br />

surpresa de ambos, tal projeto não pôde nunca concretizar-se. Vá lá a gente perceber os editores.<br />

[MATOS, A. Campos. (Para o in memoriam de Vergílio Ferreira): Uma face submersa. In: JÚLIO,<br />

Maria Joaquina Nobre (Org.). In memoriam de Vergílio Ferreira. Lisboa: Bertrand, 2003, p. 61].<br />

26 LASO, J. L. Gavilanes. Vergílio Ferreira: espaço simbólico e metafísico, p. 258.<br />

27 V. LASO, J. L. Gavilanes. Op. cit., p. 259, e MENDONÇA, Aniceta de. O romance de Vergílio Ferreira:<br />

existencialismo e ficção. São Paulo: Hucitec, 1978, p. 63.<br />

28 LASO,Gavilanes. Op. cit., p. 258 e 259.

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