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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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121<br />

Não escrevo para ninguém, talvez, talvez: e escreverei sequer para mim? O que me ar-<br />

noites, que, tal como esse outrora de que falo se aquietam já em<br />

rasta ao longo destas<br />

deserto, o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto,<br />

o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo<br />

em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo<br />

para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu. (Ibid.,<br />

p. 209-210).<br />

Eis-me escrevendo como louco, aos tropeções nas palavras, [...] (ibid., p. 211-212).<br />

*<br />

Decerto, contar é inventar: quem recorda o que aconteceu do princípio para o fim? A<br />

memória são fogachos na noite, dispersos, avulsos, tecendo a nossa constelação. Mas<br />

propriamente tu contas e não recordas. (EP, p. 15, itálicos da citação).<br />

Compreendo a tentação da caricatura: a um olhar sem mistério, os homens são a caricatura<br />

do homem. Por isso o romance tem ignorado a outra zona. Ah, escrever um romance<br />

que se gerasse nesse ar rarefeito de nós próprios, do alarme da nossa própria pessoa,<br />

na zona incrível do sobressalto! Atingir não bem o que se é “por dentro”, a “psicologia”,<br />

o modo íntimo de se ser, mas a outra parte, a que está antes dessa, a pessoa viva, a pessoa<br />

absoluta. Um romance que ainda não há... Porque há só ainda romances de coisas –<br />

coisas vistas por fora ou coisas vistas por dentro. Um romance que se fixasse nessa iluminação<br />

viva de nós, nessa dimensão ofuscante do halo divino de nós... (Ibid., p. 56, itálicos<br />

da citação).<br />

Portanto, o problema fundamental de Estrela polar, o seu essencial núcleo temático,<br />

é o conhecimento do “outro”, ou, mais exatamente, a impossibilidade desse conhecimento.<br />

O próprio Vergílio Ferreira o disse muitas vezes em diferentes ocasiões e lugares. É<br />

essa a luta inglória de Adalberto com relação a Aida, que ele nunca saberá se é Aida ou<br />

Alda. Desde a aproximação dos nomes à idêntica semelhança física existente entre as duas<br />

irmãs, uma confusão identitária essencial se estabelece. Porque é a essência da identidade<br />

que Adalberto persegue. É o conhecimento do outro enquanto pessoa e dos elementos que<br />

a essa pessoa constituem, os da sua unicidade enquanto ser, da sua individualidade profunda<br />

e única, elemen tos que partem do nome mas que estão para muito além dele, que em<br />

algum lugar devem existir para lá da aparência física, de um comportamento aparente, de<br />

uma “psicologia” visível. É isso que não se “vê” e que não se sabe onde “está” que Adal-<br />

conhecer. A falência do sujeito no conhecimento do “outro”<br />

berto deseja obsessivamente<br />

desencadeia uma crise geral na sua relação com o mundo. Daí a oscilação constante ou o

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