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Não escrevo para ninguém, talvez, talvez: e escreverei sequer para mim? O que me ar-<br />
noites, que, tal como esse outrora de que falo se aquietam já em<br />
rasta ao longo destas<br />
deserto, o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto,<br />
o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo<br />
em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo<br />
para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu. (Ibid.,<br />
p. 209-210).<br />
Eis-me escrevendo como louco, aos tropeções nas palavras, [...] (ibid., p. 211-212).<br />
*<br />
Decerto, contar é inventar: quem recorda o que aconteceu do princípio para o fim? A<br />
memória são fogachos na noite, dispersos, avulsos, tecendo a nossa constelação. Mas<br />
propriamente tu contas e não recordas. (EP, p. 15, itálicos da citação).<br />
Compreendo a tentação da caricatura: a um olhar sem mistério, os homens são a caricatura<br />
do homem. Por isso o romance tem ignorado a outra zona. Ah, escrever um romance<br />
que se gerasse nesse ar rarefeito de nós próprios, do alarme da nossa própria pessoa,<br />
na zona incrível do sobressalto! Atingir não bem o que se é “por dentro”, a “psicologia”,<br />
o modo íntimo de se ser, mas a outra parte, a que está antes dessa, a pessoa viva, a pessoa<br />
absoluta. Um romance que ainda não há... Porque há só ainda romances de coisas –<br />
coisas vistas por fora ou coisas vistas por dentro. Um romance que se fixasse nessa iluminação<br />
viva de nós, nessa dimensão ofuscante do halo divino de nós... (Ibid., p. 56, itálicos<br />
da citação).<br />
Portanto, o problema fundamental de Estrela polar, o seu essencial núcleo temático,<br />
é o conhecimento do “outro”, ou, mais exatamente, a impossibilidade desse conhecimento.<br />
O próprio Vergílio Ferreira o disse muitas vezes em diferentes ocasiões e lugares. É<br />
essa a luta inglória de Adalberto com relação a Aida, que ele nunca saberá se é Aida ou<br />
Alda. Desde a aproximação dos nomes à idêntica semelhança física existente entre as duas<br />
irmãs, uma confusão identitária essencial se estabelece. Porque é a essência da identidade<br />
que Adalberto persegue. É o conhecimento do outro enquanto pessoa e dos elementos que<br />
a essa pessoa constituem, os da sua unicidade enquanto ser, da sua individualidade profunda<br />
e única, elemen tos que partem do nome mas que estão para muito além dele, que em<br />
algum lugar devem existir para lá da aparência física, de um comportamento aparente, de<br />
uma “psicologia” visível. É isso que não se “vê” e que não se sabe onde “está” que Adal-<br />
conhecer. A falência do sujeito no conhecimento do “outro”<br />
berto deseja obsessivamente<br />
desencadeia uma crise geral na sua relação com o mundo. Daí a oscilação constante ou o