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118<br />
é resultante de uma memória transformada em escrita. Mas só no final do romance se sabenstitui<br />
é a tentativa de reconstituição de uma memória, do delírio em que<br />
rá que o que o co<br />
se transformou uma busca empreendida em desespero e obsessão. A fixação dessa busca<br />
em texto, a escrita dessa memória, dessa terrível e infrutífera experiência de conhecimento<br />
do “outro”, a produz Adalberto, encerrado numa cadeia, cumprindo a pena que lhe coube<br />
pela acusação de haver matado a mulher (Aida? Alda?) ou desencadeado a sua morte. De<br />
que terá morrido, do acidente de carro que sofreu e que a obrigou à hospitalização, de um<br />
ataque cardíaco, de uma violência praticada por Adalberto, do simples medo dessa violênparar<br />
o coração?... Também de nada disso se terá clara certeza. Mas as<br />
cia que lhe fizera<br />
incertezas vêm do início da escrita de Adalberto: “Decerto, contar é inventar: quem recorda<br />
o que aconteceu do princípio para o fim? A memória são fogachos na noite, dispersos, a-<br />
vulsos, tecendo a nossa constelação.” (EP, p. 15). Já se conhecia, em Vergílio Ferreira,<br />
desde Manhã submersa a diferença que o romancista estabelece entre contar e recordar,<br />
implícita, de certo modo (ou ao menos próxima), na diferença entre evocar e recordar 20 .<br />
Adalberto a retoma aqui, dizendo para si próprio “tu contas e não recordas” (ibid. – itáliassumindo<br />
esta passagem a função de “advertência” ao leitor quanto à<br />
cos da citação),<br />
fidelidade ou infidelidade, segurança ou insegurança, verossimilhança ou inveros-<br />
já se conhecia, a partir de Aparição, essa<br />
similhança do texto que vai ler. Também<br />
essencial relatividade ou fragilidade da memória, ali representada pelas freqüentes<br />
alternâncias de tempo/espaço (presente/passado, Évora/aldeia beirã), constituindo alguns<br />
dos “embrechamentos” de que o próprio Vergílio Ferreira, a propósito da sua técnica<br />
romanesca, tanto falou em ensaios, entrevistas, depoimentos pessoais e no seu diário 21 .<br />
20 V. MS, p. 82-83.<br />
21 Às alternâncias de planos ou níveis temporais e espaciais que em romances como Apelo da noite e Cântico<br />
final aparecem “sinalizadas” pelo uso de diferentes tipos gráficos (itálico e redondo) e que a partir de Apa-<br />
no mesmo corpo da matéria narrada sem nenhum recurso de identificação aparente,<br />
rição vão estar diluídas<br />
o próprio V. F., a propósito da sua forma de estruturar a narrativa, chama de “embrechamentos” ou “distria”<br />
da história do livro, da sua “planificação” ou “apresentação”. Trata-se, obviamente, de<br />
buição embrechad<br />
um aspecto estrutural da narrativa, mas que acaba por transbordar para o seu “modo” de escrever, ou seja,<br />
para o seu “estilo”. Sobre o assunto, discorrendo sobre o seu processo de criação romanesca, escreve o ro-<br />
mancista:<br />
Mas há que distribuir a história do livro, ou seja, planificá-la, decidir de uma forma para a sua apreduas<br />
soluções de momento se nos oferecem: a que expõe a história de um modo linear e<br />
sentação. E<br />
que se julgou fosse inevitável por perdurar através dos séculos, dada a sua lógica interna de antece-<br />
e uma outra que tem que ver com Joyce, mas se intensifica com o “novo roman-<br />
dente/conseqüente;<br />
ce” e talvez com o cinema, e que é uma distribuição embrechada, com o entrecruzamento de séries<br />
temporais e espaciais. Não vou aqui “demonstrar” a verdade de uma e de outra, insistir no que há de<br />
lógico no uso desta ou daquela. Decerto a distribuição linear poderá justificar-se pela lógica do dis-<br />
curso, que se desenrola naturalmente com princípio, meio e fim; como a distribuição embrechada ou