21.05.2014 Views

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

115<br />

Universo vai terminar com a sua própria morte ou se algo permanecerá para além dela.<br />

Não lhe importa, como importa a Adalberto (e como já importara a Mário e a Alberto), a<br />

questão da continuidade depois da morte. Por isso não se coloca para Garcia (que deseja<br />

ser depois de morto “verdadeiramente nada”), que é artista, a questão do filho, como se<br />

coloca para Adalberto, que o não é. Mas nem para um nem para outro haverá qualquer garantia<br />

de continuidade no mundo quando já nele não estiverem. Para o pintor esse é simplesmente<br />

um problema que não existe. Quanto a Adalberto, pensará mais tarde que o terá<br />

resolvido com o nascimento do filho que teve com Aida (ou com Alda?). Mas o filho morre,<br />

e com ele a esperança de permanência na terra. O que de Adalberto restará para depois<br />

dele será a sua escrita, o relato ambíguo, incerto, entrecortado e delirante que faz da sua<br />

vida até o momento em que escreve e que vem a ser afinal o próprio texto de Estrela polar.<br />

Tal como no caso de Alberto, em Aparição, que para depois de si deixará o testemunho<br />

escrito da sua experiência existencial, que vem a ser o texto do próprio romance... Ou como<br />

a tia Dulce, que deixará apenas o velho álbum de fotografias... Mário, o pintor de Cântico<br />

final, é dos três o que alcança maior plenitude na esperança de continuidade no mundo<br />

depois da sua morte: deixa uma obra de pintor, a capela restaurada e decorada em honra a<br />

Elsa, uma humana senhora da noite, e um filho, havido da relação com Cidália e que aparenta,<br />

desde os primeiros gestos, vir a ser herdeiro da arte do pai.<br />

Portanto, Adalberto tem um problema: vencer a solidão pela comunhão com o outro<br />

e ultrapassar a contingencialidade da sua fugaz existência deixando alguma coisa que lhe<br />

assegure a continuidade de si para depois da sua morte. Não tendo a seu favor a hipótese da<br />

criação artística para lhe assegurar a permanência do nome e da memória, um filho virá a<br />

ser a possibilidade mais plausível e porventura mais perfeita e de maior plenitude, porque<br />

resultante da mais intensa comunhão entre dois seres. O coroamento de uma fusão de corpos,<br />

de plasmas, de uma relação erótica que idealmente deverá nascer do conhecimento e<br />

cebi muito bem porque se faz com insistência esta pergunta a um escritor. Era talvez mais lógico, ou pelo<br />

menos mais variado, modificar-se a pergunta para estes termos: ‘porque é que respira?’ Ou ainda, de outro<br />

modo: ‘porque não se suicida?’ ”. E analisando a pergunta e refletindo longamente sobre a questão, continua:<br />

Eis porque à pergunta sobre “para que se escreve” eu costumo responder que para estar vivo, ou se-<br />

para ser quem sou... Eu escrevo “para estar vivo”. Um problema de “missão” é<br />

ja, no fim de contas,<br />

anterior ou “posterior” ao que escrevo. Uma obra de arte é um depoimento. Mas o “para quê” está<br />

ausente dela enquanto se realiza. Porque enquanto se realiza há só o realizá-la – e o realizarmo-nos.<br />

(UEA, p. 183-184).<br />

Observe-se que o que a qui diz V. F.<br />

está de pleno acordo com o que Mário, Alberto e Garcia “dizem”,<br />

“pensam” e “sentem”.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!