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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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112<br />

– O mundo morre realmente quando eu morrer. Não é uma metáfora: é a positiva<br />

verdade, hem? Morre mesmo.<br />

E Emílio declarava que, portanto, se precisasses de fazer testamento, tu não farias<br />

nunca testamento.<br />

– Mas exatamente porque o mundo não existe depois de eu morrer é que faço<br />

testamento enquanto vivo. Bom, não faço, já se vê. Mas se fizesse, fazia. Se o mundo<br />

existisse depois de eu morrer, podia fazer testamento depois de morto, porque ainda ia<br />

muito a tempo.<br />

– Sabes portanto que o mundo existe quando estiveres morto.<br />

– Sei-o enquanto estiver vivo, sei-o agora. Por isso é que fazia agora testamento.<br />

Só se admite que o mundo existe depois de morrermos, precisamente porque estamos<br />

vivos, porque nos estamos sentindo vivos para depois de mortos. Para que o mundo e-<br />

xista, é preciso que eu esteja vivo. (EP, p. 106-107, itálicos do texto citado).<br />

Presente à cena, Adalberto acompanha em silêncio e com fadiga a conversa dos<br />

dois: “Já mal os ouço – as próprias razões entretêm-nos, como crianças brincando sobre<br />

um precipício.” (ibid.).<br />

A questão aqui levantada em termos de diálogo ficcional, surge e ressurge com alguma<br />

freqüência nas reflexões ensaísticas do escritor. Assim, por exemplo, em Invocação<br />

ao meu corpo, o mesmo problema, que é o do destino do artista e da sua arte frente à vida e<br />

frente à morte, é tratado assim:<br />

a sua arte pode perdurar pelos séculos, mas o artista, simplesmente, pequenamente, morre.<br />

Pensar que o seu nome perdurará com ela, só o pode iludir enquanto vivo. De dentro<br />

da vida ele se ressuscita para depois da morte como se pudesse ressuscitar-se. De dentro<br />

da vida ele recolhe previamente a sua presença na obra de arte que os vindouros aí lhe<br />

hão-de localizar. De dentro da vida ele se julga vivo para quando já vivo não for. Mas se<br />

a arte não morre, morrerá ele próprio e portanto também a sua arte. É de fora da vida<br />

que ele tem de pensar-se presente na sua obra, ou seja quando presente já não está. Ter<br />

ou não construído uma obra, não é indiferente enquanto nela se projeta do lado de cá da<br />

morte; mas é perfeitamente igual quando estiver do lado de lá, ou seja, quando não esti-<br />

Estendemos a nossa responsabilidade para lá da morte e por isso dela decidimos<br />

ver.<br />

como de todos os atos da vida; mas a posse lá do que fizemos cá. Assim o absoluto da<br />

Arte exig e um absoluto em que se integre o próprio artista. (IMC, p. 232, itálicos da citação).

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