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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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face de si mesmos e de um mundo que se lhes apresenta fechado, são duas as alternativas a<br />

enfrentar: existir resignadamente em solidão ou tentar abrir uma fenda na muralha desse<br />

mundo cerrado para estabelecer (ou restabelecer) uma relação com a vida. Relação com a<br />

vida presente e em estado de fluição, e com a possibilidade de uma vida futura, a que o<br />

fluir do presente naturalmente deverá conduzir e que, mesmo numa dimensão restritamente<br />

humana, possa salvar-se da extinção imposta pela morte. Mas, na mundividência de Vergílio<br />

Ferreira, o homem não foi feito para a solidão resignada. Para saltar a muralha da solidão<br />

absoluta e vencer a situação solipsista do encontro do homem em face de si mesmo,<br />

tendo à sua frente um mundo fechado, será necessário desenvolver estratégias, estabelecer<br />

relações e descobrir caminhos que levem à comunicação, à comunhão e à continuidade do<br />

homem no mundo.<br />

Quanto à continuidade do homem, será necessário muito mais do que um álbum de<br />

retratos como o da tia Dulce. Para além da própria perecibilidade material, quem saberá,<br />

dali a dez, vinte ou cinqüenta anos, quem foram aqueles que ali estão nas fotos, que vive-<br />

e morreram, se não deixaram filhos? Um filho pode, então, ser garantia de continuida-<br />

ram<br />

de do homem no mundo, mesmo depois da sua morte. E continuar-se, em gerações futuras,<br />

no filho do filho, do filho, do filho... Um filho significa para o pai a sua “presença em al-<br />

em alguém”. 18 Um filho ou uma obra marcante – de ciência ou de<br />

guém”, a sua “duração<br />

arte –, que ultrapasse os limites do tempo e para sempre (ainda que num “para sempre”<br />

simplesmente humano) dê testemunho da passagem de alguém pela terra. De alguém que,<br />

pela dimensão da obra criada, seja, mais que um indivíduo, a representação da humanidade<br />

a que pertence e do seu poder de edificação. Assim, um quadro, uma escultura, uma sinfo-<br />

um romance ou um poema, a restauração e decoração de uma capela<br />

nia ou um concerto,<br />

podem ser garantia da continuidade do homem na terra, mesmo quando a morte do seu<br />

corpo o retirar da terrena comunidade a que pertence. Mas os filhos são também perecíveis,<br />

mesmo ainda antes de se tornarem pais. “Nenhum filho tem pais, mas todo o pai tem um<br />

filho.” (EP, p. 241). A infância e a juventude não estão a salvo da morte. E, se com a morte<br />

de alguém, morre também o mundo em que lhe fora dado viver, onde a certeza de que uma<br />

obra de arte é garantia de continuidade para depois da morte, se quem morre não pode ter a<br />

consciência disso? É esse o tema de um diálogo mais ou menos sério, mais ou menos burlesco,<br />

mais ou menos cínico mantido entre o pintor Garcia e o médico Emílio, personagens<br />

de Estrela polar. Diz Garcia:<br />

18 FERREIRA,Vergílio. Estrela polar. 2. ed. Lisboa: Portugália, 1967, p. 76.

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